A Bíblia e as Questões do Trabalho

(Futuro Incerto da América Latina)

Na Bíblia, no Antigo Testamento, conta a história que Deus ouviu o clamor do povo escravo no Egito (Êxodo 2,23-25; 3,1-10). Depois de quatrocentos anos de trabalho escravos (Gn 15,13). Esta afirmação é revolucionária, pois, para o sistema existente, Deus não ouvia o clamor do Povo. O Deus supremo só ouvia os pedidos do seu protegido, o faraó. Esta descoberta leva o povo a rejeitar os deuses do faraó e dos Reis e a se comprometer exclusivamente com este seu Deus chamado Javé, que escuta o clamor dos trabalhadores pobres e escravos.

Por isso, a fé comprometida no único Deus, Javé, e a rejeição categórica dos deuses são a semente subversiva que cai no chão da vida daquele povo oprimido e que vai produzir, aos poucos, uma nova organização igualitária. Por outro lado, a prática revolucionária em vista tem uma nova organização mais igualitária vai criar a abertura no único Deus libertador.

Imagem do artigo, Êxodo 3,7-8, @biblia_orante
Fonte da Imagem: @biblia_orante
  1. A fé no único Deus. Ele se apresenta como o grupo que não admite no seu meio o culto a nenhum outro deus a não ser o Deus e a Javé.
  2. A organização interna deste grupo é igualitária. Ele iniciou uma prática nova em que já não havia mais lugar para a dominação e a exploração; em que havia igualdade. O povo “eleito” por Deus é este povo que tenta uma nova organização fraterna.

Para realizar seu projeto, Deus não mandou qualquer um , mas mandou seu próprio filho. Jesus, o filho de Deus realizou a promessa do pai, trouxe a libertação para o povo e anunciou aos pobres a boa nova do Reino de Deus.

Jesus iniciou esta mudança colocou-se do lado dos pobres, marginalizados pelo sistema dos judeus, denunciou esse sistema como contrário a vontade do pai e convocava todos para mudar de vida. (Mc 1,15). Esta mudança tinha a ver com a Lei. Jesus aparece como o novo legislador sendo filho, ele conhece o pai e objetivo que ele, o pai, tinha em mente quando, séculos atrás, deu a lei ao povo pela mão de Moisés. Por isso, Jesus pode nos oferecer uma nova versão da lei de Deus. O solene anúncio desta nova lei começa aqui no sermão da montanha (Mt 5,1-47).

Às oito portas de entrada do Reino. São oito categorias de pessoas, oito portas de entrada para o Reino, para a comunidade. Não há outras entradas. Quem quiserem entrar terá que identificar se com uma dessas oito categorias. Destas oito categorias destacamos três: os pobres no espírito porque deles é o Reino de Deus, os com fome e sede de justiça serão saciados, os misericordiosos obterão misericórdia (Mt 5,1-12).

Para acontecer o Reino, Jesus ensina a importância da Justiça no trabalho no seu tempo. Na parábola dos trabalhadores da vinha, na qual Jesus toca na questão do salário das pessoas. Na história que Jesus contou (Mt 20,1-16), o pai de família sai de casa às seis da manhã e contrata operários para trabalhar na vinha. Ele combina de pagar um denário. O denário era a moeda daquela época. Um denário era o salário normal para um dia de trabalho. Seria o salário-mínimo daquela época. Nove horas da manhã o pai de família sai de novo, encontra outras pessoas desempregadas na praça e as contrata, mas não fala mais no salário de um denário. Apenas diz que pagará “o que for justo” (Mt 20,4). Os empregados vão trabalhar sabendo que não receberão mais o denário, o salário de um dia. Em seguida, meio-dia, três da tarde e na cinco da tarde, repete-se o mesmo: ele sai, encontra outros desempregados e os contrata para trabalhar na vinha recebendo “o que for justo”. Para quem passou o dia todo sem emprego, qualquer quantia é bem recebida!

Hoje, 37% da população adulta da América Latina vivem do trabalho informal. A previsão é que se chegue, este ano, a 50%, devido à crise econômica que afeta países populosos como Brasil, México, Argentina e Venezuela. Hoje, são consideradas pobres, na América Latina, 167 milhões de pessoas, e 71 milhões são miseráveis (sobrevivem com, no máximo, US$ 1 por dia).

No Brasil, segundo a Cepal, a miséria já atinge 6% da população. Na última década, a pobreza recuou no continente, graças aos governos progressistas que adotaram sistemas de proteção dos direitos dos mais pobres. Embora a renda do brasileiro tenha crescido nos últimos dez anos, a desigualdade social prossegue alarmante. Basta lembrar que 46% da renda nacional se encontram em mãos de apenas 5 mil famílias. No governo anterior foi feito a reforma trabalhista, com discurso de melhorar a oferta de emprego , foram tirados dos trabalhadores/ras muito direitos, e até ouvimos alguns governistas dizer: o importante não é direito e sim emprego. Quer dizer voltar ao trabalho escravo.

Afonso Dias

Biblista e Assessor do CEBI