Quase 150 milhões de brasileiros e brasileiras estão aptos(as) a participar das eleições municipais de novembro. Trata-se de um dos maiores colégios eleitorais no mundo, em que o voto obrigatório assegura ampla participação popular no processo de escolha de mandatários(as) locais.
A novidade é que esse fenômeno massivo de participação eleitoral se dará em condições extremamente atípicas e adversas, em função da pandemia do coronavírus, um vírus de alta velocidade de propagação e graves riscos à vida e a saúde pública
Coerentemente com as orientações da Organização Mundial da Saúde, a Justiça Eleitoral e o Congresso Nacional se entenderam para adiar as eleições, inicialmente previstas para outubro, para um período em que se espera a pandemia esteja mantendo o caráter declinante de contaminações e mortes.
Essa foi uma decisão muito importante, pois assegura o processo democrático contra aventuras golpistas que se revestiram de especulações sobre o adiamento das eleições para 2022, com a consequente prorrogação de mandatos de atuais prefeitos(as) e vereadores(as). Um golpe na soberania popular, caso tivesse sido consumada essa intenção manifestada, entre outros, por líderes do governo Bolsonaro no Congresso Nacional
Essa vontade de impedir a manifestação popular em eleições, ainda que municipais, expressa o temor do Governo federal e do seu bloco de apoio de uma eleição plebiscitária, em que, além dos debates sobre programas municipais apresentados pelos candidatos(as) a prefeitos(as) e vereadores(as), essa seja uma manifestação a favor ou contra o governo de extrema-direita que há dois anos vem dirigindo o país.
A pandemia do coronavírus evidenciou traços autoritários e genocidas do governo Bolsonaro. Ele desconheceu desde o início da pandemia as orientações da comunidade científica nacional e internacional pelo isolamento social e outras medidas de prevenção à circulação do vírus em escala nacional. Pelo contrário, manifestou desprezo pelas vidas humanas perdidas, minimizou diante de milhões de pessoas por meios de comunicação a gravidade da doença, e se transformou num agente parceiro do vírus, que vitimou até o momento mais de 150.000 pessoas falecidas e milhões de infectados, que conviverão com sequelas e consequências mais leves, muitas das quais ainda desconhecidas pela medicina.
Além disso, a pandemia a gravar a crise econômica em que já estávamos inseridos desde 2015. O golpe contra Dilma em 2016, os pífios resultados de Temer quanto ao crescimento econômico e o efeito nulo das reformas previdenciária e trabalhistas nos investimentos e na geração de emprego, já nos colocaram em 2020 num quadro de altíssimo desemprego e desalento da classe trabalhadora e em recessão econômica, já medida por índices oficiais no primeiro trimestre de 2020 deste ano.
O governo prevê uma queda do PIB em torno de 6% para 2020, a CEPAL prevê uma queda de quase 10% do PIB na América Latina e o mundo capitalista, em particular os Estados Unidos com quem Bolsonaro praticamente exclusivizou as relações comerciais, viverá momentos de desaceleração econômica prolongada e, portanto, mais crise social.
Um terceiro elemento se soma a esses dois, o repúdio internacional e nacional a Bolsonaro pela fragilização da legislação ambiental, pelo desmonte dos órgãos de fiscalização e controle e pelo incentivo ao avanço neoliberal do agronegócio sobre os territórios protegidos e preservados. Todos os biomas estão sobre grave ataque, e muitos estão literalmente queimando, em particular a floresta amazônica, o cerrado e o pantanal, com uma criminosa omissão do governo federal em mobilizar recursos adicionais para combater os incêndios provocados intencionalmente para a destruição das áreas preservada.
Parte da população continua apoiando Bolsonaro em patamares próximos a um terço do povo brasileiro. Parecem naturalizar, como fenômenos da natureza, as consequências dos atos deliberados do governo diante da pandemia ou dos incêndios. Mesmo assim, a maioria do povo brasileiro não apoia Bolsonaro e suas políticas. Daí o medo que assalta o Palácio do Planalto, da desaprovação em urna do governo, fazendo avançar a crise política e retomar com maior fôlego os processos de impeachment e de julgamento dos crimes de Bolsonaro e sua família
A esquerda apresenta-se unificada em várias capitais e grandes cidades, e dividida em várias candidaturas em outras, o que com certeza permite a Bolsonaro dissociar-se dos seus candidatos no primeiro turno e trabalhar apenas para impedir a vitória eleitoral das candidaturas dos partidos de oposição.
O fato é que para além dessas estratégias propriamente eleitorais das direitas e das esquerdas, os grandes temas nacionais criam um ambiente de desaprovação de Bolsonaro, seu governo e suas políticas. Cabe à oposição nacionalizar esse debate e articular o debate sobre os destinos dos municípios com o destino mais geral da Nação, que está ameaçada de destruição por este governo desastroso a serviço do grande capital
Minha avaliação é que o governo Bolsonaro não sairá vitorioso deste embate, e que a esquerda ampliará o número de prefeitos e vereadores eleitos em novembro. O que está em jogo, no entanto, é se a esquerda brasileira colherá uma vitória política nacional, refletindo nas urnas de novembro a rejeição majoritária a Bolsonaro e suas políticas. Essa vitória política permitirá a retomada do movimento Fora Bolsonaro, em condições de mobilização de massas melhores em 2021 que as que tivemos durante a pandemia, para impedir que seu projeto de destruição e morte continue avançando.
Renato Simões
Membro do Diretório Nacional do PT