Para que se possa compreender adequadamente a formas de inserção e permanência das mulheres no mundo do trabalho é necessário partirmos da constatação de que a sociedade está fundada em uma estrutura dicotômica que, além de separar as duas esferas pública e privada, hierarquiza e atribui papéis sociais diferenciados para mulheres e homens. A esfera pública como pertencente ao mercado e a esfera privada ao âmbito das casas e da família.
Essa assimetria gera uma desigual repartição entre os sexos em todas as esferas da vida, e leva a um questionamento sobre a própria participação da força de trabalho feminina e os seus condicionamentos, marcados por práticas sociais discriminatórias que desfavorecem a integração das mulheres na estrutura produtiva, ao mesmo tempo em que reforçam o seu papel reprodutivo, de donas de casa, fortalecendo a divisão sexual do trabalho que se expressa nos mais distintos âmbitos da vida e, no mercado de trabalho, na desproporcional repartição entre pessoas na força de trabalho e fora da força de trabalho, empregadas e desempregadas, formais e não formais e, no interior do próprio mercado de trabalho, segmentado em ocupações a que são conferidas características próprias, na maioria das vezes, associadas unicamente ao sexo dos indivíduos. E mesmo em condições mais favoráveis do ponto de vista econômico e social se observa poucas alterações em relação à sua inserção.
Além disso, é essencial reconhecer que as desigualdades de gênero e raça são estruturantes de uma sociedade de classes e que, portanto, os efeitos decorrentes dos períodos de maior expansão ou retração econômica têm pouca permeabilidade sobre a secular divisão sexual do trabalho.
As condições de inserção e permanência das mulheres no mundo do trabalho que vinha progressivamente se alterando a favor das mulheres, desde 2015 se observa um retrocesso e os dados dão relevo à afirmação de que uma das principais marcas desta última década é o crescimento do desemprego, da informalidade e da precariedade.
As medidas de austeridade adotadas desde 2016 reduziram a capacidade do Estado em prover às políticas públicas com efeito maior sobre as mulheres trabalhadoras e pobres, dados de 2021, quase 30% das mulheres negras e 23,9% (quase uma em cada quatro) das mulheres brancas declarou que não estava trabalhando nem buscando trabalho ou disponível para trabalhar devido ao trabalho doméstico e de cuidados não remunerados relacionados ao (s) filho(s), filha(s) ou outros membros da família. No caso dos homens, tanto negros quanto brancos, essa porcentagem se mantém próxima a 2%, sem alterações significativas, ao longo do período analisado.
A taxa de desemprego entre as mulheres é o dobro na comparação com os homens e a informalidade afeta 4 em cada dez mulheres que estão na força de trabalho. O emprego doméstico ainda se constitui na principal ocupação das mulheres, atualmente são quase 6 milhões de mulheres nesta atividade, sendo que 75% trabalham sem registro em carteira. A média dos rendimentos das mulheres é inferior à média do sexo masculino e para as mulheres negras a diferença é ainda mais acentuada.
Para entender a estrutura, a dinâmica, as tendências dos mercados de trabalho, assim como as desigualdades estruturais que os caracterizam, é fundamental considerar também o âmbito do trabalho doméstico e de cuidado não remunerado, que continua sendo realizado principalmente pelas mulheres devido à injusta e desigual divisão sexual do trabalho que persiste e se reproduz na sociedade brasileira.
A grande carga de trabalho doméstico e de cuidados não remunerado assumida pelas mulheres dificulta sua inserção no mercado de trabalho e, portanto, sua autonomia econômica, ao mesmo tempo que limita a qualidade dos empregos e ocupações a que podem ter acesso e nos quais estão sobrerepresentadas, que são vistos como uma projeção no mercado das tradicionais tarefas de cuidado exercidas no âmbito doméstico e familiar. Isso afeta o avanço de suas trajetórias profissionais e possibilidades ocupacionais.
Além disso, reduz seus rendimentos e perspectivas de acesso à previdência social, que ainda está estreitamente vinculada ao trabalho assalariado formal, e limita sua participação nas posições de autoridade e mando nas empresas e instituições e, portanto, na tomada de decisões. Estas desigualdades de gênero se entrecruzam e se potencializam com as desigualdades e a discriminação de classe, racial, de idade e territoriais, produzindo estruturas de exclusão que têm grande incidência nos padrões de inserção das mulheres afrodescendentes, indígenas, jovens, das áreas rurais e da periferia das grandes cidades no mercado de trabalho.
Marilane Oliveira Teixeira
Economista, doutora em desenvolvimento econômico e social e pesquisadora em gênero, trabalho e relações de trabalho – CESIT/IE – Unicamp