No mês de outubro, nós católicos celebramos Maria, a mãe de Jesus e nossa mãe, especialmente o dia 12 de Outubro que é dedicado a Nossa Senhora de Aparecida, a padroeira do Brasil.
Ao celebrar nossa Senhora, fazemos uma referencia especial a todas as mulheres, em particular às trabalhadoras que sofrem no mundo do trabalho que é extremamente machista e homofóbico. Sempre é complicado para um homem falar sobre o que sentem as mulheres por mais empáticos que seja.
Por exemplo, no mundo do trabalho, podemos falar dos limites de carga estabelecidos cientificamente para as mulheres levantarem, mas não conseguimos nos colocar no lugar das que fazem isso e por esta razão adoecem. Podemos falar dos males que os produtos químicos provocam nas mulheres grávidas e lactantes, mas não podemos entender as razões das que são obrigadas a fazer isso. Podemos falar dos males que causam ao corpo e à mente da maioria das mulheres que fazem jornadas duplas, alternando trabalho em casa e nas empresas, mas jamais iremos entender como elas conseguem ter tanta energia para fazer isso.
Ao falar do trabalho das mulheres não podemos nos esquecer do trabalho doméstico que no mundo todo é um trabalho tipicamente feminino, mas que particularmente no Brasil acaba sendo realizado com alguns requintes de crueldade, como veremos a seguir. Durante muitos anos foi naturalizado o fato da empregada dormir no emprego tanto é que encontramos em muitos imóveis, o oferecimento do famoso “quarto de empregada” em seus anúncios, como sendo uma “cortesia” para os compradores. Nestes anúncios, aliás, coisa típica do Brasil, estão contidos elementos de uma realidade aterradora para muitas mulheres que se dedicam o tempo todo ao trabalho, o que caracteriza um tipo de “trabalho análogo ao escravo” que em muitos casos são acrescidos com o “ trabalho infantil” já que não é raro, principalmente no interior dos estados, jovens meninas saírem cedo de casa de seus familiares para viver ( e trabalhar) em uma “ casa de família”, onde muitas também são abusadas não só moralmente como sexualmente.
Mas o drama das empregadas domésticas não para por aí. Até recentemente as empregadas domésticas não tinham nem direitos básicos, tais como limite de jornada de trabalho, férias, décimo terceiro, horas extras e aposentadoria, o que foi regulamentado pela lei complementar 150 de 01 de Junho de 2015. Apesar de conter ainda muitas falhas, esta lei foi um primeiro passo para melhorar as condições de trabalho das empregadas domésticas, inclusive a jornada de trabalho diário (8 horas), semanal (44 horas) e rendimento mensal, o que foi muito criticado por muitos “patrões/patroas” que começaram a criar alternativas para “ driblar” a legislação e fazer “contratos informais” de jornadas diárias em dias alternados para não caracterizar o “ vínculo empregatício, o que viria no entanto, logo em seguida, ser modificado pela “ reforma trabalhista” do governo Temer que oficializou a “jornada intermitente” o que “legalizou” estas jornadas alternadas em muitas atividades cujas jornadas antes eram consideradas ilegais, inclusive o trabalho doméstico.
O “Trabalho intermitente” é uma das situações mais nefastas da reforma trabalhista do governo Temer. Além de dificultar e reduzir o valor da aposentadoria, no caso particular das empregadas domésticas este tipo de jornada dificulta o tempo de recuperação do corpo já que as trabalhadoras tem que fazer em um ou dois dias, todos os trabalhos de limpeza pesados (limpeza de janelas, vidros, banheiros, etc.) que antes eram feitos semanalmente alternando com outros trabalhos considerados um pouco mais leves, mas que também não são tão leves assim, tais como lavar, passar e cozinhar. Ao efetuarem em várias casas todos esses trabalhos pesados as empregadas domésticas acabando contraindo uma série de doenças osteomusculares diminuindo muito a sua vida laboral ou fazendo que muitas acabem trabalhando mesmo com dores até um limite que acaba ficando insuportável até para atividades mais leves o que acaba provocando problemas para a trabalhadora em seu próprio lar.
Não podemos nos esquecer de que a pandemia da “covid-19” intensificou ainda mais estes problemas das domésticas. Além de redução de salário e de jornada, que de acordo com a nova lei trabalhista foram “negociadas diretamente com os patrões” tiveram ainda que trabalhar em ambientes fechados, pegarem condução lotada e sem equipamentos de proteção individual (máscaras adequadas, álcool gel, etc.) o que aumentou o risco do contágio com o vírus, tanto é que o primeiro caso comprovadamente de “ covid-19” foi de uma empregada doméstica no Rio de Janeiro em março de 2020 que “ pegou” a doença de uma patroa que acabava de voltar de uma viajem à Europa (Itália).
O caso da categoria das empregadas domésticas talvez seja o mais emblemático, mas não é o único. Em todas as categorias as mulheres enfrentam vários tipos de dificuldades. São muito conhecidas as diferenças salariais entre mulheres e homens mesmo realizando o mesmo tipo de trabalho. Quando, além do gênero, a diferença envolve também raça ou etnia, a média salarial diminui ainda mais. São muitos os estudos que mostram que as mulheres negras são as que recebem salários menores. Em todas as categorias.
O objetivo principal da Organização Internacional do Trabalho (OIT) é promover o trabalho decente. Por trabalho decente se entende um trabalho produtivo e adequadamente remunerado, exercido em condições de liberdade, igualdade, segurança e dignidade humana. A noção de equidade é, portanto, um elemento central na Agenda de Trabalho Decente da OIT e faz referencia às diversas formas de desigualdade e exclusão que afetam a vários grupos humanos na sociedade, baseadas tanto no sexo como na origem e condições socioeconómicas, raça, etnia, nacionalidade, opções políticas e religiosas, entre outras. Para atingir esse objetivo deve-se dar às mulheres trabalhadoras uma especial atenção, já que elas estão em desvantagem em muitos aspectos. Isto significa que, em primeiro lugar, o conceito de trabalho decente compreende também um trabalho livre de qualquer discriminação. Em segundo
lugar, a promoção de igualdade é um elemento que deve estar sempre presente em forma transversal, nas quatro áreas estratégicas fundamentais que definem a Agenda de Trabalho Decente: a promoção dos direitos do trabalho, a criação de mais e melhores empregos, a ampliação da proteção social e o fortalecimento da organização e representação dos atores no mundo do trabalho e no diálogo social.
A primeira área estratégica da Agenda de Trabalho Decente se refere aos direitos de trabalhadores e trabalhadoras. Todas as pessoas que trabalham, sejam homens ou mulheres têm direitos que devem ser respeitados. Sem dúvida, mais mulheres do que homens sofrem com o problema de serem reconhecidos como sujeitos destes direitos laborais porque estão muito presentes nas esferas desprotegidas e invisíveis do mundo do trabalho. Nestas esferas, algumas de formas típicas tais como o trabalho doméstico e certos tipos de trabalho na agricultura e atividades por conta própria na área urbana.
Garantir o mesmo status legal para homens e mulheres é o primeiro passo necessário, mas não é suficiente para alcançar uma efetiva igualdade de oportunidades no mundo do trabalho. Avançar na Agenda de Trabalho Decente, considerando sua dimensão de gênero, significa avançar também na igualdade substantiva entre homens e mulheres. Esta é a base para a necessária articulação entre o respeito aos direitos dos trabalhadores e trabalhadoras e os demais objetivos estratégicos da OIT: A promoção de um emprego de qualidade para homens e mulheres, a extensão da proteção social, especialmente para os trabalhadores e trabalhadoras da economia informal, e a promoção do diálogo social.
Especial atenção deve ser da à proteção da maternidade, já que a situação atual, futura ou provável da mulher como mãe e principal responsável pelo cuidado doméstico e familiar, segue sendo a principal causa de sua discriminação no trabalho. Não pode existir igualdade de oportunidades entre homens e mulheres no trabalho sem uma adequada proteção à maternidade e ao direito das mulheres não serem discriminadas no mundo do trabalho por fatores associados a sua capacidade reprodutiva.
Concluindo, as mulheres são as que mais sofrem com as violências do mundo do trabalho. Sofrem mais com o desemprego, com menores salários, com mais assédios morais e sexuais, trabalhos infantis e análogos à escravidão, doenças, acidentes, jornadas longas e sem descanso adequado para recuperação do corpo e da mente.
Que Nossa Senhora interceda junto a Jesus que dê forças para todas as mulheres possam ter trabalhos mais dignos e decentes.
Gilmar Ortiz de Souza | Mestre em Saúde Trabalho e Ambiente (FUNDACENTRO) e Engenheiro de Segurança do Trabalho (FAAP)
Militante da Pastoral Operária da Diocese de Santo André – SP