Bolsonaro – Democracia em Risco em Dose Dupla

Bolsonaro – Democracia em Risco em Dose Dupla
Fonte da Imagem: Crônica

Muito já se escreveu sobre a aliança explosiva entre militares e milicianos que nos governa desde a fraude eleitoral de 2018, em que a interdição política da candidatura de Lula à Presidência da República e o abuso de meios ilegais e ilegítimos de campanha de Bolsonaro contra Fernando Haddad produziram um governo que une suas vertentes neoliberal e neofascista para violar massivamente os direitos do povo brasileiro.

Não vivemos, desde o golpe de 2016 que retirou Dilma Rousseff do governo por um processo ilegítimo de impeachment, a plena vigência de uma Estado Democrático de Direito construído a partir da Constituição de 1988. Por esse artifício, a união entre o poder econômico do capital nacional e transnacional, do poder político da maioria da Câmara dos Deputados e do Senado, do poder midiático das grandes empresas de comunicação de massa, de setores da burocracia estatal dominantes no Ministério Público, na Polícia Federal e no Poder Judiciário e de parte significativa da opinião pública manejada por esse imenso aparato golpista impôs ao país um programa neoliberal que fora derrotado por quatro vezes seguidas em eleições limpas, desde a primeira vitória eleitoral de Lula na virada do século e do milênio.

A democracia, dita por alguns analistas “de baixa intensidade”, que construímos no período de 1988 a 2016, não resistiu à manipulação grosseira das regras constitucionais contra o espírito e a própria letra da Constituição. E o governo de Michel Temer promoveu intensas reformas neoliberais de altíssimo custo social, revogando direitos sociais, econômicos e culturais do nosso povo, privatizando serviços e patrimônios públicos, impondo uma brutal austeridade fiscal contra a capacidade de prestação de serviços públicos para a maioria da população.

A violência desse projeto tornou necessário aos seus patrocinadores lançar mão da violência institucional da Lava-Jato para impedir a candidatura de Lula, reconhecidamente apto a participar do pleito tanto pela jurisprudência anterior do Poder Judiciário em casos similares, tanto pela decisão cautelar do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, ambos rasgados pela decisão arbitrária do TSE e do STF. A avalanche de Fake News em que a campanha de Bolsonaro contra Haddad se transformou, usando plataformas no Brasil e no Exterior proibidas pela legislação eleitoral com financiamento empresarial igualmente proibido, foi desconhecida pelo TSE até o vergonhoso julgamento das últimas irregularidades no final de outubro desse ano, três anos depois dos crimes eleitorais tolerados pela Justiça Eleitoral.

Isso já é suficiente para dizer que a democracia brasileira estava em risco antes de Bolsonaro se instalar com sua gangue no Palácio do Planalto. O governo Bolsonaro, que foi escolhido pelas elites golpistas quando nenhum dos candidatos preferidos decolou no processo eleitoral, uniu a todos: os neoliberais aninhados no Posto Ipiranga do superministro Paulo Guedes; os lava jatistas contemplados com a escolha do igualmente superministro da Justiça, Sergio Moro; os militares que nunca viram tantos cargos e influência à disposição numa administração pública, mesmo com os saudosos (para eles) tempos da ditadura militar; e a exótica turma neofascista encarregada da disputa ideológica contra os direitos humanos e as conquistas civilizatórias estabelecidas em favor de trabalhadores, mulheres, povos indígenas, comunidades negras, LGBTQIA+, jovens, crianças e adolescentes, pessoas com deficiências e tantos outros segmentos secularmente excluídos e discriminados.

A cada apoio que perdia, Bolsonaro ia se escorando na agenda regressiva de direitos de Paulo Guedes e dos neofascistas que o cercam.  Ampliou a presença militar no governo e na articulação política. Escalou obscurantistas para dirigirem a saúde pública em plena pandemia do coronavírus, a educação e as políticas sociais do governo. Adotou, diante da emergência sanitária da COVID, uma política de busca da imunidade natural do rebanho esposada pela extrema-direita mundial que levou às últimas consequências, produzindo mais de 608 mil mortos e quase 21 milhões de pessoas contaminadas e adoecidas, com diferentes graus de exposição e consequências para sua saúde no presente e no futuro de suas vidas.

Bolsonaro – Democracia em Risco em Dose Dupla
Fonte da Imagem: EL PAÍS

O relatório da CPI da COVID e diversos estudos e documentos que denunciam Bolsonaro por crimes contra a humanidade e genocídio em várias instâncias nacionais e internacionais da Justiça apontam: Bolsonaro atenta contra a democracia, a vida humana, a biodiversidade dos biomas, os valores dos direitos humanos em crimes de várias naturezas, cuja tipificação cabe aos juristas e ao sistema de Justiça.

Mas o fato é que Bolsonaro continua sendo uma ameaça de um aprofundamento da crise da democracia brasileira por seus crimes de responsabilidade, que ameaçam os direitos civis e políticos do povo e os princípios constitucionais do sistema político da CF 88. As manifestações antidemocráticas contra o Congresso e o Judiciário foram contidas, é verdade, mas ao custo de um equilíbrio de poder em que nem o Congresso nem o Judiciário levam a cabo suas atribuições em defesa da sociedade no questionamento de seu mandato e suas violações massivas de direitos humanos.

Na Câmara dos Deputados, o Centrão e o dono do cofre que o financia – o presidente Arthur Lira – asseguram maioria para a agenda neoliberal e para a sobrevivência política de Bolsonaro, sentando-se em cima dos fundamentos pedidos de impeachment por crimes de responsabilidade do Presidente da República antes e durante a pandemia. No STF, como no Senado, medidas contra Bolsonaro têm sido adotadas, mas não a ponto de questionar os crimes diretamente cometidos pelo Presidente e sua “familícia”, já em andamento em inquéritos no STF ou em CPIs do Senado ou Mistas, como a da COVID e a das Fake News, esta última paralisada desde a pandemia.

A mobilização popular pelo Fora Bolsonaro é valorosa e expressiva, mas ainda não altera a correlação de forças em favor do afastamento do Presidente antes do calendário eleitoral de 2022. Ela é um imperativo ético indispensável na luta política: cada dia que concedemos ao governo Bolsonaro, são vidas humanas, empregos, riquezas nacionais, serviços públicos, biomas violados, que vão sendo destruídos sem volta talvez por anos a fio de reconstrução necessária. O isolamento de Bolsonaro ainda conta com um bastião de seguidores de suas ideias, que lhe garantem um colchão de apoio em expressiva parcela de ao menos um quarto do eleitorado, que se mobiliza em defesa do seu mandato em 2021 e de sua reeleição em 2022.

Assim, esse “empate técnico” vai dando tempo sobressalente a Bolsonaro e seu governo, a sua agenda de destruição de direitos e venda do patrimônio e dos serviços públicos ao capital que financiou o golpe e gera bilionários mesmo em anos de pandemia como os de 2020 e 2021. E, o que é pior, deixando com que acumule força para ameaçar ainda mais o processo democrático com a consolidação de seu apoio militar, de sua cantilena neofascista, racista, misógina, LGBTfóbica, promotora da violência e do crime. Nossa parte a fazer é continuar lutando. Resistindo a cada ataque contra os direitos. Promovendo a mobilização pelo Fora Bolsonaro, como a que se aprofunda nesse próximo dia 20 de novembro, Dia Nacional da Consciência Negra. Fazendo a disputa ideológica, dos valores que amparam um projeto alternativo de Nação, dialogando com o povo sobre os impasses do nosso país e a esperança de um futuro diferente. Construindo a vitória do povo em cada luta e no processo eleitoral de 2022. Caminhando e cantando, e seguindo a canção, pois lutar é preciso como pré-condição para conquista de novos dias em que a democracia não seja um valor abstrato, mas uma efetiva participação de todos e todas numa sociedade igualitária e fraterna. Socialista, feminista, antirracista, que promova a transição ecológica para uma sociedade superior e a plena promoção dos direitos humanos. Utopia, sim, não há como seguir adiante sem ela.

Renato Simões

Militante dos direitos humanos, dirigente nacional do PT e coordenador executivo da Associação Nacional Vida e Justiça em Apoio e Defesa dos Direitos das Vítimas da COVID.