Celebrando os 50 anos do mês da Bíblia, temos como referência ao modo de vida de nossa sociedade, a Carta de Paulo aos Gálatas, que acreditamos deva ser o farol a iluminar nosso caminho.
A carta aos Gálatas é uma carta pessoal e genuína de Paulo que traduz bem a indignação de Paulo com o que ele ouvia dizer a respeito dos conflitos nas comunidades da Galácia e das fofocas a respeito da sua própria vida. Ao contrário das demais cartas, Paulo não começa a carta com as tradicionais saudações e orações de ação de Graças, nem conclui com benção e invocações, mas entra direto no assunto.
Paulo escreve às comunidades da região da Galácia, onde são identificados alguns conflitos: mulheres sendo dominadas, escravos pisados e conflitos políticos e religiosos entre judeus e gregos. Nessas comunidades marcadas por essas situações, é que Paulo chega para animá-las, trazendo o seu Evangelho, fala a partir de uma experiência que tem de Jesus, e ele comunica essa experiência na vida daquelas comunidades. Paulo fala a partir de uma experiência que tem de Jesus, e ele comunica essa experiência na vida daquelas comunidades. O grande tema de Paulo é a Cruz – isso vai ao encontro de comunidades que estão vivendo constantemente o caminho das cruzes.
Outro ponto importante encontra-se no capítulo 5, cujo tema é o da vocação e liberdade. É no espírito que a gente vive na liberdade, viver no espírito leva à solidariedade a à partilha. Se assumirmos seguir esse Cristo crucificado não devemos nos eximir em fazer o bem. É pelo espírito que vivemos a liberdade – corpo livre, corpo que não aceita relações verticais, mas relações de igualdade, contra todo tipo de absolutismo, de poderes impostos – vocação para a liberdade enquanto espíritos livres. A mensagem paulina de “liberdade em Cristo” é direcionada a pessoas interessadas em emancipação religiosa, cultural, social e política. A experiência cristã que a carta de Paulo menciona reflete essa realidade. Paulo aponta importantes mudanças ocorridas na história dos gálatas.
Não há judeu, grego, macho, fêmea, escravo, livre “pois todos vós sois um só em Cristo Jesus” (Gl 3,28d) – mas há uma divisão que está sendo processada fortemente dentro da comunidade, que tem fim único destruir aquilo que está dentro, enraizado na comunidade, os opositores estão dentro da comunidade e estão fazendo toda a pressão contra um evangelho que está sendo anunciado. Os cristãos que Paulo está enfrentando estão lá naquelas comunidades sendo mais judeus que os próprios judeus, ou seja, se olharmos para dentro das nossas comunidades vamos encontrar conservadores mais conservadores que podemos imaginar; leigos mais conservadores que bispos.
Portanto, essa escrita pessoal de Paulo o mostra muito indignado, revoltado com a situação de divisão e de calúnia, de injustiça, falsos irmãos. A partir daí, vemos uma carta de resistência e de luta, e atualizando para os dias de hoje, numa situação de pandemia, empobrecimento, sofrimento, opressão, fundamentalismo, desemprego, violência de todo tipo: contra a mulher, contra os negros, contra os pobres em geral, é preciso deixar bem claro uma coisa: só o amor é possível para essa nossa sociedade.
Essas comunidades da Galácia, como as comunidades de Filipos, Tessalônica, Corinto e Roma, todas essas comunidades experienciam fortemente a perseguição, a morte, a crucifixão – comunidades de crucificados. Então, nessas comunidades de crucificados é que Paulo apresenta O CRUCIFICADO – o crucificado que vem e que se entrega a si mesmo. A cruz aparece como profecia, portanto, quem são os crucificados em Paulo? São os inocentes, povo de Deus, impossibilitados de se defender, profecia contra um sistema de morte, no passado e no presente.
Paulo conhecia muito bem a classe trabalhadora de seu tempo, conhecia muito bem os pobres, tinha conhecimento e sensibilidade imensa perante homens e mulheres, exerceu profissão, trabalhou com as próprias mãos (tecelão), dormia em meio ao povão simples em portos, como escravos, ou seja, ele se aproximou e se fez igual a eles.
O que mais sabemos de Paulo quando ouvimos as pessoas? É comum ouvirmos que Paulo “caiu do cavalo”. Como ele “caiu do cavalo?” Paulo era perseguidor e depois virou perseguido. Paulo é judeu romano perseguidor, depois vira cristão perseguido, porque ele abraça estar com os crucificados, com os perseguidos da história. Sua vida deu uma guinada, ele ia numa direção e de repente ele toma um caminho totalmente contrário: seu encontro com o Evangelho, seu encontro com a boa-nova, seu encontro com a experiência de Jesus.
Há cristãos que estão na Galácia que querem impor – e querem impor o que? Querem impor o ritual, a doutrina, a organização, o poder. O que é essencial no Evangelho e que é odiado por cristãos opositores presentes nas comunidades é a partilha, a comunhão, e isso se perde, isso fica no plano ideal, partilha e comunhão ficam no plano do ideal. Na prática, as comunidades estão vivendo uma disputa de poder, uma disputa de quem manda e quem fica calado.
Paulo se utiliza de paralelos com textos de Gênesis, que trata de Abraão e sua herança. A linguagem de Paulo é de um biblista, de alguém que conhece as escrituras. Ele retoma a promessa de Deus para Abraão e à sua descendência. Abraão foi reconhecido como O JUSTO (ele creu). A fé de Abraão guia a sua conduta, é princípio de ação. O texto de Gálatas conhece o texto de Gênesis. Quem acredita é filho de Abraão. Essa é a lógica que Paulo está trabalhando na herança. Paulo não trabalha com critério de circuncisão, não está batendo na tecla das questões daqueles que querem impor o ritual judaico, mas trabalhar com um conceito profundo: CRER E SER JUSTO.
O justo não é justificado pela Lei, mas pela fé. A Lei tem que ser abraçada pela fé, e não imposta. A Lei de regra é aquela que está ali, todo tempo te punindo, que vai te julgar, te condenar (conjunto de regras, 616 leis do farisaísmo), a lei que tem que brotar pela fé na comunidade é aquela de orientação de vida, de caminho de vida para todos, aquelas de ensinamento cotidiano: textos de sabedoria, ensinamentos da casa, orientação dos pais, das mães, isso é Lei, no sentido mais amplo. Conselho dos anciãos, dos avós, isso é Lei enquanto orientação, encaminhamento, indicação de vida. Essas sim, tem que ser abraçadas pela fé, que está distante da Lei imposta como regra (ritual, moral), que exclui, coloca o indivíduo para fora.
Romualdo
Pastoral Operária de Campinas – SP