CF 2021 sobre o Diálogo Ecumênico

Como há muito não se via, nosso mundo se apresenta hoje em sua faceta mais destruidora e perversa marcada pelo ódio de classe, pelos preconceitos que acreditávamos terem sido superados e pela violência aos vulneráveis (o Brasil é campeão em feminicídio e assassinato de LGBTs, onde relações escravistas e discriminatórias de pobres, negros e índios não são corrigidas, mas estimuladas…). A isso se soma a intolerância religiosa. E o pior: comportamentos estes vivenciados por pessoas que se dizem cristãs, religiosas e pessoas de bem! Tais comportamentos aprofundam as divisões no meio social e nos fragilizam diante do projeto nefasto de desmonte do Estado de direito, das políticas públicas e do pouco que ainda restava aos pobres e à classe trabalhadora. Diante desse campo social e religioso, onde o joio tem sido semeado com o trigo (Mt,13,25), como anunciar a Boa Nova de Jesus? Como segui-lo nestes tempos tão sombrios em meio a tantos sinais de morte e fake news?

A Campanha da Fraternidade Ecumênica (CFE) 2021 “Fraternidade e o diálogo como compromisso de amor” traz como lema “Cristo é nossa paz: do que era dividido fez uma unidade”. Desta forma, cumpre seu objetivo que é explicitar o caráter social e de diálogo da fé cristã. Para saber se nossa fé está no rumo certo, do evangelho e do espírito de Jesus, nos perguntamos sobre quais valores esta fé defende na prática e se ela se traduz em fraternidade e solidariedade para com os pobres, os perseguidos, os excluídos e discriminados de nossa sociedade. Caso não seja assim, é uma fé vazia.

Para que uma Campanha da Fraternidade seja ecumênica, não apenas na teoria, mas também na prática, é necessário buscar o que nos une entre as Igrejas cristãs. É uma ocasião de conversão, de mudança e de discernimento de vida cristã e de sua missão. O diálogo ecumênico é uma característica da prática de Jesus. É caminho evangélico trilhado por várias Igrejas cristãs, mas que brota também do chão da realidade, da Bíblia e da vida, onde a Palavra de Deus pulsa em cada sonho por um mundo melhor para todos e todas. Por ela entendemos que uma fé que não transforma a vida do individualismo e do preconceito para a solidariedade e a partilha, é uma fé distorcida ou vazia. Como saber? Basta ler os evangelhos e observar os valores, as opções e a prática libertadora de Jesus! Do mesmo modo que há dois mil anos Jesus enfrentou as velhas concepções e até mesmo doutrinas sagradas muito enraizadas, mas que os oprimiam os pobres, as mulheres, os enfermos…, hoje, por meio da ação ecumênica das Igrejas, somos chamados à conversão, a mudar o que nos impede de sermos solidários com os vulneráveis e excluídos em nossa sociedade.

Um dos textos inspiradores da reflexão desta CFE 2021 é Lc 24,13-35, que narra a caminhada dos discípulos de Emaús. No caminho, estavam sombrios e sem perspectivas de mudança, não conseguiam enxergar o sentido dos acontecimentos (a Páscoa de Jesus) e estavam sem perspectivas de paz para seu povo. O encontro com Jesus se dá no mesmo caminho da comunidade, com suas fraquezas, contradições e possibilidades. Jesus, presente em um forasteiro que se aproxima, não impõe a fé, nem mesmo na ressurreição! Jesus explica as escrituras, dialoga, busca a compreensão, a palavra adequada para o momento… E os olhos dos discípulos se abrem quando percebem o elo entre a palavra e o gesto da partilha. Quando reconhecem nesse encontro a presença do Jesus Ressuscitado, o mesmo Jesus dos evangelhos, tudo recobra sentido. Assim a esperança se torna possível e necessária para continuar o caminho, o projeto do Reino. E quando nos unimos na busca pelo Reino de Deus e sua justiça (Mt 6,33), a esperança e a força para viver esse caminho aumentam.

CF 2021 sobre o Diálogo Ecumênico
Fonte da Imagem: Diocese de São Carlos

O lema da CFE que encontramos em Ef 2,14 “Cristo é nossa paz: do que era dividido fez uma unidade” subverte o atual cenário de divisão e investidas do ódio contra os diferentes e desiguais, sobretudo contra os pobres. “Cristo é nossa paz” nos leva a entender que a divisão não é fruto de nossas diferenças, mas da desigualdade que, esta sim, gera violência. O que nos difere entre as Igrejas não deve impedir a união na vivência do amor solidário. A carta aos Efésios não nega a diversidade, mas vê nela a oportunidade para a realização do sonho de Deus, que é a maturidade da humanidade vivida em plenitude pela unidade no amor (Ef 4, 2-5.13). O diálogo, tema central desta CFE 2021, é caminho para a paz. E a paz, tal como nos inspiram os textos bíblicos, é fruto da justiça e da solidariedade, compromisso de amor.

Silvana Suaiden

Pastoral Operária Campinas – SP