Em um breve texto de 1933, intitulado Experiência e pobreza (disponível na rede), Walter Benjamin conta uma história de sua infância rural na Alemanha. Um velho viticultor, no leito de morte, reuniu os filhos e lhes disse que no chão do vinhedo da família havia um grande tesouro. Assim que o pai morreu os filhos saíram cavando enlouquecidos. Nada encontraram e veio a frustração. Mas chegou a estação chuvosa e o solo revirado fez o vinhedo produzir quantidade e qualidade nunca vistas na região, o que levou os filhos a concluírem que o maior tesouro não é o ouro e sim o trabalho. Benjamin queria com esse texto mostrar que o mundo moderno estava se empobrecendo, porque estava perdendo a capacidade de contar histórias densas, com profundidade de vida.
Sim, o mundo está cada vez mais pobre. Tecnifica-se a produção, inventam-se novos venenos, destroem o solo, a água e o ar para se produzir mais e mais, sob a batuta da produção de commodities e commodities não contam histórias. A cotação do final do dia de hoje já não servirá para o dia de amanhã, quando acordaremos com outra cotação vinda das bolsas do outro lado do mundo. Vivemos sob uma lógica econômica estúpida que é a ânsia pelo crescimento infinito, em um planeta cujos recursos naturais são finitos. Nos próprios países do centro do modelo já se levantam vozes defendendo o fim dessa estupidez. Jason Hickel, economista e antropólogo de origem africana, mas de formação e atuação no Reino Unido, defende a tese de que “menos é mais” ou, que só o decrescimento pode salvar o mundo. A mesma tese aparece no pensamento do economista e filósofo francês Serge Latouche, para quem é preciso espantar a economia imperialista de nossos espíritos, é preciso reencantar o mundo. Sua defesa do “decrescimento sereno” não significa dizer que devemos parar de crescer, mas mudar a lógica do crescimento. “[…] se nós queremos que a humanidade tenha futuro, isso implica uma mudança radical de nossas maneiras de produzir, de consumir e, sobretudo, de pensar”.
Vem daí a necessidade do festejar nesse mês de junho, com todas as cores, danças e delícias típicas desse tempo. Devemos nos lembrar também que temos muito a aprender com a riqueza e variedade das comidas servidas nas festas desse período. Elas contam muitas histórias. As festas juninas tradicionais no Brasil incorporaram um acúmulo milenar da história cultural da humanidade, como também um grande respeito para com a natureza. Desde os tempos pré-cristãos, as matas sempre foram para o homem lugar de grandes mistérios. E acreditava-se que é lá que moram os espíritos capazes de garantir a fertilidade das plantações, dos animais e das mulheres, lembra o antropólogo britânico James Frazer. Por isso a festa junina reproduz costumes milenares de se festejar no solstício de verão (de inverno aqui no hemisfério sul) trazendo uma grande árvore do meio da floresta, como representação do desejo de se trazer o espírito da fertilidade para o meio da aldeia. A natureza tem as suas energias, as suas forças. Nós não somos mais poderosos que os outros seres da natureza como nos fizeram crer a revolução industrial, e, já no século XX, a revolução verde. E a natureza tem também o seu tempo. Arrancar uma árvore lá no meio da floresta para se festejar em volta de uma fogueira não pode ser em qualquer época do ano. É no solstício de verão, pois, no hemisfério norte, é o tempo de maior convivência com o sol.
Com as festas juninas tradicionais aprendemos que a comida envolve trabalho partilhado de plantio, colheita e preparo dos alimentos. Nas antigas festas de vizinhança ou nas quermesses de paróquia e das escolas, o preparo das tendas, da fogueira e da comida sempre contou com homens e mulheres de todas as idades, em vista do comer juntos, como na herança judaico-cristã das primeiras colheitas. Aprendemos também que a fogueira e a árvore arrancada da floresta e trazida para o centro da comunidade, hoje incorporada à devoção católica aos santos do mês, resultam em momentos celebrativos de grande importância para a coesão social. A quadrilha é um auto representativo dos casamentos de roça de antigamente. Em volta da fogueira se faziam os batizados das crianças até que o padre pudesse vir em desobriga para o atendimento às populações das regiões afastadas dos vilarejos e cidades. Sagrado e profano, trabalho partilhado e comida, danças e cores: para muitos brasileiros é um mês mágico, pois tudo nos festejos juninos conta muitas histórias, histórias de longe, que acumulam experiências de vida densas, sobre as quais ainda temos muito o que aprender nesses tempos em que o futuro da vida humana em nossa casa comum já começa a parecer incerto.
Jadir de Morais Pessoa
Professor Titular aposentado da Universidade Federal de Goiás, membro da Comissão Goiana de Folclore e folião de Reis nas Lages (Itapuranga-GO). Membro voluntário da Comissão de formação da CPT Nacional desde 1996.