Em diversos países, o dia da Independência representou o início de um projeto de nação calcado nos ideais de igualdade, liberdade e poder popular. Nos EUA, na França, no México, para citar alguns, foi assim.
No Brasil, como sabemos, o enredo foi diferente. Com medo de uma rebelião popular que se avizinhava, nossas elites preferiram se aliar a Dom Pedro I para evitar uma mobilização social pela Independência que trouxesse no seu bojo ideais republicanos e emancipatórios. O medo de uma rebelião negra tirava o sono dos latifundiários e comerciantes brasileiros!
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Assim, em nossa Declaração de Independência, no 07 de setembro, não há – ao contrário da Declaração Americana, por exemplo – nenhum elemento libertador e programático ou qualquer sinalização para um projeto de futuro que pudesse servir como horizonte para o país, principalmente para os pobres e deserdados. Tudo se passou como uma briga no andar de cima: um príncipe regente e sua corte insatisfeitos com as limitações constitucionais a seus poderes impostas por Portugal e uma elite agrária com medo de seus escravos e por isso dispostas a qualquer compromisso para evitar o protagonismo popular que levasse à abolição da escravidão. Assim, desse modo, o Imperador ganhou plenos poderes acima da Constituição e os latifundiários a segurança para continuar lucrando com o sangue e suor dos negros e negras.
Fruto de um acordo palaciano, feito na surdina e contra o povo, o Brasil nasce, antirrepublicano, anticonstitucional e, sobretudo, antidemocrático. Esta forma de resolver os conflitos no Brasil vai se repetir inúmeras vezes em nossa história: em 1889, com o golpe militar que proclamou a República, com o Estado Novo em 1934, com o golpe militar de 1964 e, mais recentemente, com o golpe jurídico parlamentar contra a Presidente Dilma Rousseff em 2016, para ficar em alguns exemplos.
Sob Bolsonaro, o que estamos vivendo é a radicalização desse processo antipopular: para preservar seus lucros estratosféricos nossas elites empresariais decidiram apoiar um projeto de morte que se não for parado levará à destruição das instituições políticas do país, ampliando a morte dos pobres e conduzido a uma regressão civilizatória sem precedentes. Para tal, seguindo o exemplo de tantos lutadores populares de ontem e de hoje, de Frei Caneca a Marielle Franco, precisamos nos perguntar qual independência queremos lembrar e qual grito potencializar. Ao idealizado e melancólico grito do Ipiranga devemos contrapor o grito dos povos da floresta, o grito dos moradores de rua, o grito das mulheres vítimas do feminicídio, o grito dos jovens das periferias, o grito dos trabalhadores precarizados; enfim, o grito de tantos, humilhados e ofendidos, porque somente o grito popular impedirá a destruição do país.
Arnaldo Valentim Silva
Diretor de Escola