Conversamos com a Professora Marina no dia 20/02/2022, um domingo ensolarado às 10:00 horas. Porque nós, mulheres conscientes de nossa condição de classe trabalhadora somos assim: utilizamos o nosso dia de descanso para conversar e sonhar projetos que possam superar as condições adversas que as injustiças sociais nos oferecem. Literalmente enquanto descansamos carregamos pedras, nos ouvimos mutuamente, domamos leões, enfrentamos antas e pensamos juntas, renovando esperanças…
1- Quem é Marina…?
Sou professora, formada em História pela Universidade Metodista de Piracicaba. Leciono em escola pública desde 2004 na cidade de Piracicaba/SP
Participo da APEOESP – sou oposição dentro da APEOESP, mas acho importante participar.
2- Qual sua opção política?
Sou militante do Partido da Causa Operária desde 2007
3- Você tem religião?
Minha mãe era católica. Fui criada na Igreja católica. (Até meus 13 anos). Minha mãe me levava, eu participei muito tempo da Igreja, fiz catequese, primeira comunhão, tudo. Meu pai eu não descobri até hoje o que ele era. Hoje eu não tenho religião, não sigo nenhuma fé. Acredito na justiça, na luta.
4– Onde você encontra força para a sua luta diária?
Acredito na humanidade, na luta, no ser humano.
5- Quando começou a lutar?
APRENDI A LUTAR SEMPRE. APRENDI COM MEUS PAIS. Eles lutaram por moradia. Houve um problema aqui nas casas que nós morávamos e íamos perder tudo. Meus pais participaram da luta. Minha mãe participou muito da luta.
6- Percebe-se que esse período te marcou muito. Você se lembra de algo específico desse período em relação à luta?
Eu lembro que eu era pequena e queria minha mãe e ela estava sempre em reunião. EU RECLAMAVA. As vezes ela me levava junto, eu dormia nas reuniões – rss. EU FUI CRIADA PELA COMUNIDADE. Minha mãe era católica e a Igreja católica ajudou também na luta para as pessoas não perderem as casas.
7- Qual a grande lição que você “levou” desse período?
Hoje eu entendo minha mãe. Ela já faleceu. Ela foi vereadora do PT por três mandatos em de 1997 a 2005 (faleceu no início do 3° Mandato)
Eu percebo a dificuldade da mulher militante, que tem de conciliar várias atividades. Meu pai também participava dos movimentos e apoiava minha mãe. Me lembro que muitas mulheres não podiam participar porque os maridos não deixavam. Antes era assim. Lutamos e conseguimos superar muitas coisas.
8- Você gosta da própria história e é professora de história. Como está o coração da professora de história, com tudo que está acontecendo nas mídias sociais?
Não só as Professoras de História que estão sofrendo com as mídias. Acho que todas as pessoas que se propõe a ter CONHECIMENTO estão sofrendo. É uma desvalorização total da ciência como um todo. Ficam apenas na questão da opinião. Sem aprofundamento, sem conhecimento de causa, sem responsabilidade… Acho que estamos todos sofrendo.
9- E para você o que é a Educação?
Educação é uma questão de interesse de classe. Por isso acredito que a comunidade escolar precisa se reunir e lutar.
10- Você é ateia, tem amigos(as) que praticam uma religião?
Não tenho dificuldade de conviver com pessoas que possuem religião. Meu critério para a escolha de amigos – é ser da luta, grevista ou não. Já fiz greve com pessoas evangélicas e católicas. Isso é que é importante para mim.
11- Está difícil encontrar pessoas para a luta?
Não está fácil. A jornada de Trabalho é muito “puxada”, crise econômica, exploração. Toda essa situação leva a classe trabalhadora a aceitar as condições nocivas de trabalho. Ficam sem condições de lutar.
12- Você faz balanço das suas lutas?
A maioria das lutas a gente perde – rss. Mas acredito no processo de luta como desenvolvimento de consciência. Os caminhos da luta às vezes não dão certo, mas a gente continua lutando.
13- Conta para a gente como é a luta que você faz?
Eu acredito na luta tradicional – PANFLETAGEM, COMITÊS, GREVES.
O problema é que os movimentos deixaram muito de CONVERSAR com a população.
Mas precisamos conversar, utilizar os meios disponíveis – IGREJA, REDES SOCIAIS. A informação precisa chegar. O desafio de produzir conteúdo. A competição na produção de conteúdo é injusta. Mas a luta nunca foi justa. Eu sou tímida. Não gosto de mídias sociais, tenho dificuldade de falar ao microfone para um público grande, mas quando é preciso eu faço tudo isso. Porque é importante fazermos, para que as pessoas se conscientizem.
Eu tenho facilidade de fazer trabalho de comunicação, de conversar com as pessoas, individualmente ou pequenos grupos. Hoje as pessoas estão com medo de conversar, de darem a sua opinião.
14- Você tem medo?
Já houve momentos da luta recente em que não quis andar sozinha. Agora, por exemplo aqui em Piracicaba, estamos na luta contra a escola cívico militar. Eu acho melhor não fazer a luta sozinha. Não ir sozinha. Rss.
15- Qual sua opinião sobre a escola cívico militar?
Esse modelo de escola é totalmente excludente – exclui até mesmo adolescentes com necessidades especiais. Tem como suposto objetivo atender as escolas com vulnerabilidade social. Para eles a indisciplina deve ser tratada apenas com punição e expulsão. A escola pública não está boa. Mas esta não é a solução. Aqui a COMUNIDADE BARROU a implantação de uma escola cívico militar. Os estudantes se organizaram, participaram da assembleia. É preciso criar esses espaços para dar voz aos estudantes e a comunidade.
16- Mas, qual é a solução para a escola, para a educação?
Eu acho que um dos grandes problemas da escola pública é a falta de DEMOCRACIA. Os profissionais da educação não conversam com a comunidade sobre os problemas, às vezes chega a esconder os problemas. Então quando as coisas explodem, ninguém sabia de nada e muitas vezes a culpa cai sobre os professores. NÃO TEM COMUNICAÇÃO. Os problemas se acumulam. Por exemplo, a proposta da escola integral do Estado de São Paulo. Além do projeto em si ser ruim, pois muda a grade curricular, retirando dos alunos da escola pública o direito de ter acesso a conteúdo que a escola privada tem, a comunidade não foi consultada. Nós não sabemos se todas as famílias realmente precisam de uma escola integral, se todos desejam que os filhos fiquem na escola o tempo todo. Simplesmente não foi consultado. Além disso, o governo começou o projeto em plena pandemia.
Teria de ter um enfrentamento com o Estado mais claro. A força dos professores está no apoio político dos pais. PORQUE NOSSA GREVE NÃO TEM EFEITO ECONÔMICO, UMA VEZ QUE NÃO EXISTE PERDA DE DINHEIRO COM A NOSSA GREVE. QUEM PERDE É O ALUNO, QUE PERDE CONTEÚDO. E DEPOIS O PROFESSOR TEM DE REPOR AULA, É TUDO MUITO DIFÍCIL.
17- A proposta da Constituição de 1988 para a educação, a LDB e o ECA (Estatuto da Criança e Adolescente) falharam?
Não falhou. A verdade é que NÃO FOI IMPLANTADA. Por exemplo, a questão do número de alunos em sala de aula, hoje no estado de São Paulo é de 37 a 42 alunos. É um aluno por metro quadrado. A luta da categoria defende 25 alunos por sala de aula. Uma coisa engraçada que aconteceu na pandemia é que como diminui o número de alunos na sala de aula o convívio dos alunos com os professores melhorou muito. Eles conversavam conosco, faziam perguntas, participavam.
Outra questão é a progressão continuada. Ela é muito criticada. Mas nós não queremos reter o aluno. Nós queremos que esse aluno receba o apoio necessário para aprender. Apoio psicológico, social, e tudo que for necessário para que o aluno se desenvolva.
18- Se o passado não foi promissor na implantação de uma Educação de Qualidade, como estão as coisas hoje?
Hoje, eu acho que os dois grandes desafios na discussão política por uma educação pública de qualidade é a questão do Ensino Médio e o Ensino a Distância. Precisamos de apoio em nossas lutas. A EDUCAÇÃO PÚBLICA PRECISA SER ABRAÇADA. Abraçada por toda sociedade.
FIM
Fiquei impressionada com a Marina:
Olhar meigo, sorriso suave, fala tranquila. Mas quando começa a falar nos mobiliza para a necessidade de lutar e continuar sempre. O que mais me emocionou foi ela dizer que é motivada pela própria luta. É um retroalimentar-se através do processo que nos desgasta e exige de nós. É uma honra conhecer alguém que se sustenta pela própria luta. Além disso, Marina se define como tímida, não gosta de mídias sociais, mas se precisar falar no microfone e/ou dar uma entrevista que está sendo gravada e publicada, ela simplesmente faz porque é necessário para a luta.
Acho que a Professora Marina é a expressão viva do que os teóricos chamam de RESILIÊNCIA.
Fica-me a impressão cheia de esperança de que somente uma MULHER DA CLASSE TRABALHADORA PODE REALMENTE POSSUIR ESSA CAPACIDADE.
Nicéia Eulampio
Pastoral Operária Campinas – SP