Deixar Falar O Que Está Sentindo – Isso É Educação
Professora Cristiane Paes
A Alfabetização É O Momento Mais Mágico Que Um Professor Pode Viver
1- Conte um pouco da sua história
Eu nasci na zona rural de Cosmópolis. Minha experiência profissional é na Educação Municipal da cidade. Comecei trabalhando no município na área da Saúde, onde fiz trabalho educacional – trabalhei na Campanha de Combate à Dengue, visitando as pessoas e fiz palestras nas escolas sobre esse tema. Entrei na educação como “monitora” e depois prestei concurso para professora. Onde trabalhei com Educação Infantil e depois com alfabetização.
Fiz o curso técnico do antigo magistério, sou formada em Pedagogia, especialização em Educação Inclusiva e atualmente estudo sociologia, porque é uma paixão antiga.
2- E no momento, qual é a sua função?
Hoje trabalho como Diretora de Creche no Município de Cosmópolis. A creche fica na área rural e atende crianças de até três anos de idade.
3- Vejo que você tem muitas atividades. Diretora de escola, estudante. Onde busca energia para realizar uma jornada tão intensa?
Minha formação é católica e tenho muita fé em Nossa Senhora Aparecida. Meu mais novo projeto é fazer o Caminho da Fé. Em Limeira tem um grupo que faz o Caminho da Divina Providência. A escola que eu trabalho é um ponto de apoio para eles. Eles vêm, descansam e depois seguem o caminho até Aparecida do Norte a pé.
4- Percebo que além de uma formação teórica consolidada, você tem uma trajetória prática na educação – trabalho educacional na saúde, educação básica, alfabetização. Da sua trajetória, o que mais lhe emocionou?
Trabalhar com ALFABETIZAÇÃO. ALFABETIZAÇÃO É O MOMENTO MAIS MÁGICO QUE UM PROFESSOR PODE VIVER.
5- Você está acompanhando a Campanha da Fraternidade deste ano? Conhece o Tema, o Lema?
Fiquei sabendo quando você me convidou para esta entrevista. Então fui pesquisar, conversei com alguns colegas professores(as) e fiquei sabendo que Cosmópolis também está organizando essa escuta dos Educadores. Achei muito interessante.
6- Estou percebendo que você é muito realizada na sua função de educadora. Isso é novidade pra mim. Os profissionais da Educação andam bem cansados, bem desanimados. Destaca pra mim o que na sua opinião são os maiores DESAFIOS NA EDUCAÇÃO neste momento:
Acho que o primeiro desafio é a VALORIZAÇÃO.
Valorização essa que começa pela questão política. A questão dos governos. Atualmente estamos acompanhando os conflitos entre os governos federal, estaduais e municipais, é uma briga entre os poderes e não existe um projeto, um plano salarial digno para os profissionais da educação do país. Eles ficam “jogando” um pro outro a questão do AUMENTO SALARIAL dos professores. Essa questão salarial é muito importante porque tem professores com JORNADA TRIPLA, isto é, eles trabalham em três períodos como professores. Isso ocorre porque o salário é muito baixo e as pessoas precisam trabalhar em três horários para cumprir os seus compromissos financeiros básicos – casa, comida, família. Na política vivemos um processo de AVANÇOS E RECUOS na educação, dependendo dos políticos que são eleitos.
Isso acarreta uma desvalorização da figura, da imagem, do professor frente a sociedade. As famílias também DESVALORIZAM o professor. As famílias não se organizam para a escola. Eu trabalho em uma creche e preciso conquistar os pais o tempo todo. Conquistar a confiança deles. Nós falamos, demonstramos, conversamos, mas eles não confiam. Chegou ao ponto que para provar que o trabalho está sendo feito, COLOCAMOS CÂMERAS NA ESCOLA.
Outro desafio que percebo é a INOVAÇÃO TECNOLÓGICA. Com a pandemia ficou claro que ela precisa ser feita. E junto com ela a FORMAÇÃO TECNOLÓGICA para os professores. É preciso pensar a tecnologia como instrumento para o processo de ensino aprendizagem. Esta formação precisa começar nos cursos de Pedagogia, mas é urgente que se faça formação para os profissionais que estão na ativa. Na pandemia os professores tiveram de aprender na “RAÇA” a manusear a tecnologia e como usá-la de forma eficiente na educação. Começamos com os grupos de zap, depois o governo disponibilizou a plataforma on line. Os políticos não se conscientizaram que a ESTRUTURA TEM DE SER MONTADA. Muitos professores preparam aula em casa, porque não possuiem notebook pra toda rede docente. Na minha escola agora tem três notebooks para quatro professores, o que é um número bom. Mas os professores não possuem tempo para preparar aula na escola e não podem levar o notebook para casa. Então preparam a aula manualmente e depois chegam na escola e passam para o notebook, ou seja, trabalho duplo. Na pandemia, o Estado de São Paulo disponibilizou um chip para os professores e uma linha de crédito para o professor financiar um notebook – é o trabalhador pagando para trabalhar.
Também é necessário uma FORMAÇÃO para que a Educação Inclusiva se concretize. Os profissionais dessa área possuem BOA VONTADE, mas os políticos precisam entender que boa vontade não é o suficiente. É preciso conhecimento. Os cursos de especialização em Educação Inclusiva são muito caros e o professor não possui qualquer apoio financeiro para fazê-los. Não existe financiamento para esses cursos, não existe nenhuma Fundação, nenhuma Universidade que disponibilize uma quota, um apoio para o professor se especializar.
7- Percebo que você está feliz na sua função de educadora. Isso é raro entre as pessoas que eu converso. Entre os professores da Secretaria Estadual de Educação existem muitas queixas e um cansaço eminente. Você saberia dizer se existe uma diferença gritante entre a realidade da Educação Municipal e Estadual?
Eu tenho algum contato com escolas estaduais. O que eu percebo é que as escolas estaduais possuem muitos problemas técnicos. Falta de material. Já teve uma escola aqui em Cosmópolis que não tinha gás para fazer a merenda. Eu acredito que o profissional dessa escola se sente totalmente DESAMPARADO. Como trabalhar em um local assim, sem nada. Acho também que na escola Municipal a “proximidade com o patrão” facilita o processo da educação. Podemos discutir os problemas na medida que eles vão aparecendo.
Outra questão é que aqui em Cosmópolis não ocorre a superlotação das creches e o número de profissionais de crianças por creche é o número ideal. Em toda a rede municipal o número de alunos(as) por sala é controlado. Existe um número máximo que não se ultrapassa. Nós tínhamos casos de escolas do estado com 45 alunos na sala. Impossível fazer um trabalho nestas condições.
Cosmópolis é uma referência neste item em toda região. Muitos outros Municípios não aderiram a este item da LDB.
8- Você pode contar como se deu esse processo em Cosmópolis de controle do número de alunos por sala:
Tudo começou com a LDB – Lei de Diretrizes Básicas de 1996 – e Cosmópolis foi realizando um processo de luta e foi conquistando, garantindo a implementação de alguns princípios fundamentais para a educação. Em Cosmópolis existe um grupo de pessoas da educação bem atuante.
9- A Campanha da Fraternidade deste ano possui como Lema:
“FALA COM SABEDORIA, ENSINA COM AMOR” (Pr. 31,26). Em creche tudo bem, isso até me parece fácil, mas, e com adolescente, você acha que isso é possível?
De fato na creche o VÍNCULO AFETIVO é fundamental, é muito importante, eu diria que é PALPÁVEL. Eu nunca trabalhei com adolescentes. Trabalhei com alfabetização. Em todas as turmas que eu trabalhei nos primeiros momentos da aula eu fazia a RODA DA CONVERSA. Deixava a criança FALAR. Com essa prática ensinava a criança a FALAR E OUVIR. Isso criava uma situação de ACOLHIMENTO. Este OUVIR permite ao professor conhecer o nível que a criança está em relação a determinado assunto. Meus alunos quando me encontram expressam saudades da minha aula porque eles podiam FALAR. Mas acho que um Professor com jornada tripla não tem condições de organizar uma atividade dessas. Simplesmente não tem tempo.
10- Depois de tudo isso, antes da gente terminar, você poderia definir o que é EDUCAR pra você?
DEIXAR FALAR O QUE ESTÁ SENTINDO – ISSO É EDUCAÇÃO.
Esse é o primeiro passo… e ir construindo a trajetória de aprendizado junto com a criança.
Cristiane, agradeceu a entrevista e expressou a sua curiosidade em relação a Pastoral Operária, que ela não conhecia. Em suas palavras:
MUITO INTERESSANTE UMA PASTORAL QUE SE PREOCUPA COM O TRABALHADOR. IMPORTANTE ISSO, NESTA ÉPOCA EM QUE ESTAMOS PERDENDO TANTOS DIREITOS. EM MEU TRABALHO DE VEREADORA ATENDO AS PESSOAS, ELAS ESTÃO PASSANDO FOME.
E assim termino a transcrição da entrevista com a professora Cristiane – Diretora de Creche, concursada da Prefeitura Municipal de Cosmópolis. Conversamos intensamente por uma hora sobre sua trajetória na educação e suas percepções sobre a realidade educacional. FALTOU transcrever aqui suas experiências e percepções sobre Educação Inclusiva, sua visão sobre Direitos Humanos e Educação, sua relação com o Conselho Tutelar da Cidade acompanhando a implementação do Estatuto da Criança e do Adolescente e tão importante como tudo isso a sua TRAJETÓRIA POLÍTICA.
Mas o tempo urge e os espaços das publicações nos comprime, propondo assim a necessidade de novos encontros, de novos DIÁLOGOS, como nos pede o Papa Francisco e a Campanha da Fraternidade.
Nilceia Eulampio
Pastoral Operária Campinas – SP