A entrevista com Aparecida do Carmo Maria Campos, Tida, como é carinhosamente chamada por todas(os), surgiu a partir de um equívoco meu. Tinha certeza que ela era professora. Na entrevista descobri que Tida não é uma professora nos termos comuns da sociedade, não ministra aula em uma escola formal, seu trabalho é de Assistente Social. Após a entrevista, posso afirmar que Tida, está mais para EDUCADORA com letra maiúscula, que exerce na vida a função de FORMAR e LUTAR SEMPRE.
1- Quem é Tida?
Aparecida do Carmo Maria Campos – Tida. O apelido é de família, casada, dois filhos adultos, bacharel em Assistência Social, Mestranda em Assistente Social, fazendo doutorado.
Sou de uma família muito simples, caçula de 08 irmãos, única que estudou – 05 mulheres e 03 homens.
Sou de Campinas. Comecei a participar cedo no Movimento Social. Fiz perseverança com a irmã Dilce/Padre Jacinto e fui entendendo que as coisas não eram fáceis e o que se passava com o NEGRO e o ÍNDIO no país. Era época da ditadura.
Na juventude fui participar do Movimento Negro Unificado. Eles eram bem radicais. Tinha dificuldade com a radicalidade – não vim de uma família militante, fui a primeira da família a ser militante, tudo era muito novo para mim e para minha família.
Fiz parte da campanha do Jacó Bittar para prefeito – me mantive no PT – me identifico com a ideologia do PT.
Fiz Assistente Social e fui trabalhar na UNICAMP e isso “abriu a mente” para a questão do negro na sociedade – decidi militar no Movimento Negro.
Sempre fui católica e toda a minha formação é católica.
Fui Professora do Educa Afro – para jovens alunos negros.
2- Quais foram e são suas grandes referências?
Irmã Dilce – Professora de Perseverança
Padre Jacinto
Padre Benedeti foi meu orientador espiritual.
Padre Ferraro, Izalene, Renato Simões.
3- Quando você despertou totalmente para a luta?
Na Campanha da Fraternidade de 1988 – OUVI O CLAMOR DESSE POVO. A partir daí comecei a questionar o papel do negro dentro da Igreja e começou a discussão – onde está esse povo? E começamos a nos organizar.
Começamos um trabalho. Inicialmente chamou-se como Pastoral do Negro e atuava na sociedade como um todo, dialogava com outras religiões. Depois houve a divisão do Moviemnto Pastoral Negro no Brasil criou-se um entidade Interreligiosa.
Hoje eu Participo dos Agentes da Pastoral Negros do Brasil e da Pastoral Afro.
Os APNs discutem questões como desigualdade, racismo e outras questões mais equânimes. Tem uma espiritualidade muito forte – diversificada.
Dentro da Igreja, como Pastoral Afro, eu questiono o SILÊNCIO da Igreja nos casos graves. Existe um ódio pairando no mundo e neste país, que se manifesta claramente contra a comunidade negra. Me incomoda muito o silêncio frente a isso. Recentemente fez toda uma luta para garantir a questão das cotas, quase perdemos o direito e muito pouco ou nada foi-se falado dentro da Igreja.
4- Espera um pouco? Você está dizendo que quase perdemos o direito às cotas nas universidades? Explica isso melhor, por favor.
As cotas estavam definidas através de um acordo de DECÊNIO – DEZ ANOS PARA INVESTIR NOS AFRODESCENDENTES O DECÊNIO ENCERRA EM 2022 – o governo não tem mais compromisso de manter as cotas e sua primeira atitude foi de acabar com as mesmas. Mas o Movimento Negro foi a luta, contou com o apoio dos alunos da UNICAMP e da luta dos secundaristas. O governo não tinha nem sequer os dados sobre as cotas e seu papel social, mas a Associação Brasileira de Pesquisadores apresentou os dados e isso fez toda a diferença. Os dez anos não foram suficientes para garantir a transformação social.
O resultado da luta foi positivo, o acordo das cotas foi renovado. Conseguimos que as cotas se mantivessem até 2036. Estamos lutando para que seja até 2066. É uma luta, a gente vive em luta.
5- Existe muita polêmica em relação às cotas. Como você analisa os argumentos contra as cotas? Eles te incomodam?
Quem é contra as cotas, utilizam muito o argumento da questão do mérito – o indivíduo tem de merecer. Esse argumento NÃO leva em conta a realidade social, a questão histórica, os débitos que a sociedade tem para com a comunidade negra. Meritocracia NÃO LEVA EM CONTA AS DIFERENÇAS.
6- Você trabalha em uma faculdade, como é as relações sociais inter-raciais neste grupo social?
Existe sim muito racismo na faculdade. Mas também existem muitas pessoas que lutam contra o racismo. É importante ocuparmos esse espaço, mesmo tendo dificuldades.
7- Qual o significado da Campanha da Fraternidade para você?
A Campanha da Fraternidade traz à tona a esperança de OUTRO MUNDO POSSÍVEL. Nos provoca a pensar em uma sociedade onde todos tenham direito.
A Educação precisa ser inclusiva, precisa falar de assuntos diversos como LGBT, mulher, genocídio da juventude negra. Muitos negros não tiveram chance de sonhar – ou morreram ou foram “abocanhados” pelo tráfico. Estamos em uma sociedade capitalista que derruba e “tritura” – o capitalismo é selvagem – disfarça, mas é selvagem. A campanha da Fraternidade nos leva a refletir sobre outras possibilidades, nos oferece outra visão.
8- Explica pra mim esse conceito de MINORIA – os negros não são em maior número na sociedade, como assim minoria?
A questão da minoria – é um conceito sociológico – MINORIA DE ACESSO A DIREITOS, não minoria em número de pessoas.
9- Já tentou a carreira política?
Fui convidada várias vezes e por diversos partidos, não quis – GOSTO DE SER LIVRE – GOSTO DE FAZER A CRÍTICA. Acredito que se for candidata ficarei “presa” ao partido, não poderei falar o que penso.
10- Como é a questão das mulheres nos partidos, na política em geral?
Ainda existe muito machismo. Durante muito tempo, o papel das mulheres nos partidos políticos foi de fazer comida, organizar a festa, limpar.
Recentemente fiz campanha para uma mulher negra para vereadora de Campinas pelo partido dos trabalhadores, mas não conseguimos convencer as pessoas a nos darem o seu voto. Ela não ganhou. E fizemos campanha na comunidade, na própria região onde moramos e militamos!
11- O machismo aumentou?
Não, ele não aumentou, ele escancarou, é como racismo, nunca foi cordial, era submissão obrigatória. O RACISMO É A ESTRUTURA DO PODER. Agora com o governo misógino, o próprio presidente autoriza o machismo – O MACHISMO SAIU DE DENTRO DO ARMÁRIO.
12- Pelo que está lutando agora?
Estou na luta por bebedouros públicos na cidade de Campinas – estamos cobrando do poder público – Fizemos escuta dos moradores de rua – descobrimos que eles queriam água. Que eles precisam da boa vontade dos donos de Postos de Gasolina para tomar água.
OUTRAS FRASES DE TIDA:
“NÃO HÁ TEMPO PARA APRENDER – TODA HORA É HORA”
“O conhecimento nunca é demais.”
“O mundo muda, entender a dinâmica do mundo nos faz sofrer muito, mas de forma consciente. E isso é libertador.”
“Ao aprendermos servimos de exemplo para a juventude.”
“Acho que a juventude está sem direção.”
“A educação está se tornando linha de produção.”
FIM OBSERVAÇÃO:
Entrevista realizada em 03/03/2022.
“Entrevistar Tida, foi a tarefa mais fácil que já fiz. Com ela os conteúdos, prática, história de vida e de luta, informações pertinentes a luta, fluem naturalmente. A verdade é que só lhe fiz uma.”