Caríssimos irmãos e irmãs, paz e bênção.
Natal está aí! É a grande festa da fraternidade. Deus abre os seus braços para nós. É hora de abrirmos os nossos braços para Deus e viver mais intimamente a nossa comunhão com Ele. Sem essa comunhão íntima, a nossa vida perde o seu sentido: “Sem mim nada podeis fazer” (Jo 15, 5).
Natal. O que é para nós o nascimento de Jesus? O Nascimento de Jesus é a manifestação visível d’Aquele que se fez carne no seio da Virgem Maria e, assim, colocou a sua tenda entre nós, permitindo-nos ver a sua glória, a glória que um Filho único recebe de seu Pai, cheio de graça e de verdade (cf. Jo 1, 14). O nascimento de Jesus é a consequência da Encarnação do Verbo.
E o que é a Encarnação? É o fato histórico, único e singular, admirável, de o Verbo Eterno do Pai, o Filho de Deus, Deus como o Pai e o Espírito Santo, assumir a carne humana, a natureza humana, de tal forma que, numa só Pessoa, a Pessoa Divina do Verbo, se unam substancial e indissoluvelmente, sem confusão nem mistura, a natureza divina e a natureza humana.
O que há nisso de admirável, de singular, de único? É a comunicação de Deus à criatura, a suma comunicação de Deus dentro do Universo criado. Deus não é um fechado, um com o qual não há conversa. Deus se nos comunica através do seu Filho: “Tendo Deus outrora falado muitas vezes e de diversos modos aos pais pelos profetas, agora, nestes nossos dias que são os últimos, que é a plenitude do tempo (Gl 4, 4), falou-nos por meio do Filho, a quem constituiu herdeiro de tudo e por quem fez o Universo” (Hb 1, 1-2). Jesus é o recado de Deus em pessoa; é a sua palavra; e sua Palavra Definitiva. Deus revela-nos em Jesus o seu jogo. Jesus é, em pessoa, o que Deus nos quer comunicar desde sempre; Jesus, a “Palavra”, estava junto de Deus e era Deus, desde o início. Antes que nós existíssemos, Deus já sonhou o que Ele nos iria dizer: aquilo que Jesus é. Jesus é a comunicação de Deus. Jesus é o que Deus é para nós.
O que não condiz com o que Jesus é, contradiz o ser de Deus. Quando Jesus chama os pecadores, é Deus que os chama. Quando Jesus censura os hipócritas, é Deus que os censura. Quando Jesus funda a comunidade eclesial, é Deus que a funda. E quando Jesus morre, porque seu amor é fiel até o fim, é Deus que dá sua vida para os destinatários de seu amor sem fim. Tudo o que Jesus nos manifesta é palavra de Deus falada a nós.
Conhecemos e amamos a Deus através de Jesus. Ele é o único mediador e outro não existe. Ele é o caminho, a verdade e a vida (Jo 14, 6).
A Encarnação é a elevação mais alta da criatura: “Nele aprouve a Deus fazer habitar toda a Plenitude” (Cl 1, 19); “nele habita corporalmente toda a plenitude da divindade e nele fomos levados à plenitude” (Cl 2, 9). Em Cristo estão escondidos todos os tesouros da sabedoria e da ciência (Cl 2, 3). Quanto mais se cava em Jesus Cristo, mais riquezas se encontram (cf. João da Cruz – Do Cântico Espiritual).
A Encarnação do Verbo é o Emanuel, Deus conosco. É Deus colocando a sua tenda entre nós. Peregrino conosco peregrinos, nômade conosco nômades. No Antigo Testamento a tenda de Javé encontrava-se no meio das tendas do Povo de Deus. No Novo Testamento, esta tenda torna-se a própria carne humana, a nossa natureza humana. Deus faz-se um dos nossos, toma a nossa condição, faz-se solidário conosco (Fl 2, 7).
A Encarnação do Verbo é, para nós, santificação, metánoia: pela encarnação do Verbo o mundo todo é radicalmente santificado, e nós, criaturas humanas peregrinas, voltamo-nos na mais profunda pureza e transparência totalmente para Deus: “o mundo deve saber que amo o Pai e procedo como o Pai me ordenou” (Jo 14, 31). O Verbo Eterno do Pai humaniza-se para que nós humanos nos divinizemos! É a mais autêntica e profunda promoção humana.
A Encarnação é o humano assumido pelo divino, sem absorção nem confusão nem mistura. O humano deverá entrar sempre mais na esfera do divino: “Quer comais, quer bebais, quer façais qualquer outra coisa, fazei tudo em nome de Jesus Cristo, para a glória de Deus Pai” (lCor 10, 31; Cl 3, 17).
O Verbo se tornou carne, colocou a sua tenda entre nós, sobretudo no alto do Calvário, na Sexta Feira Santa, na Cruz. A tenda ensopada do sangue divino tornou-se a tenda salvadora, a tenda da esperança do mundo inteiro (cf. At 2, 26 e SI 16). É o abandono total nas mãos de Deus sem olhar para si próprio, é a quebra total de si mesmo que acaba com a corrupção, na qual o pecado nos atirou.
O próprio nascimento de Jesus num estábulo, no meio dos pobres, já deixa sentir ao vivo e de modo muito concreto e palpável que Jesus, para ser o Salvador de todos, tinha que começar pelos mais abandonados, sentindo em sua própria carne o abandono mais total: “Meus Deus, meu Deus, por que me abandonaste?” (Mc 15, 34).
Qual é o presente que Jesus, tendo dado tanto, espera de cada um de nós e de todos nós juntos, os seus bem-amados, os seus prediletos, Ele que disse e diz a nós: “Já não vos chamo mais servos, e sim amigos” (Jo 15, 15)? O presente que Jesus espera de nós encontra-se na palavra do próprio Jesus: “Se queres ser perfeito, vai, vende tudo o que tens, dá-o aos pobres, depois vem, toma a tua cruz e segue-me” (Mt l9, 24; 16, 24; Lc 9, 23; Mc 10, 21).
Aproveitemos este Natal para reanimar o dom de Deus que está em nós, desde o dia em que fomos batizados, desde o dia em que Cristo nos acolheu em Sua paixão, morte e ressurreição. Não duvidemos, tenhamos certeza: “O Espírito do Senhor repousa sobre nós” (cf. Is 61, 1; Lc 4, 18).
Santo Natal e Feliz Ano Novo de 2023.
Arcebispo Metropolitano de Campinas – SP