O fim do primeiro semestre de 2021 assistiu à retomada de lutas de massa de grandes dimensões puxada pela esquerda contra o governo Bolsonaro e suas políticas. Vivemos essa transição da mobilização em redes e através de atos simbólicos nas ruas para um novo momento da luta de classes, em que a população – pressionada pelo genocídio e pela crise econômica e social – retoma as ruas para tentar por fim ao governo Bolsonaro antes das eleições de 2022 (ou nelas).
Duas grandes campanhas uniram a esquerda brasileira nesse momento recente. Fora Bolsonaro e Lula Livre. Produziu-se no primeiro semestre uma ofensiva no âmbito dessas duas grandes articulações com vistas a aprofundar a unidade das Frentes Brasil Popular e Povo Sem Medo, a articulação com grandes bandeiras ali definidas (vacina para tod@s, auxílio emergencial de 600 reais até o fim da pandemia e Fora Bolsonaro) e a resistência às iniciativas que o governo e o Centrão implementaram no Congresso (privatizações, reforma administrativa, leis anti-povo em geral).

Duas grandes conquistas no Supremo Tribunal Federal vieram a constituir novos elementos de pressão política sobre os de cima e de mobilização dos de baixo. Em primeiro lugar, as decisões sobre a recuperação dos direitos políticos de Lula: Lula Inocente e Moro Suspeito, coroando anos de resistência pessoal de Lula à perseguição judicial da Lava-Jato e dos comitês populares, nacional e internacional da campanha Lula Livre. Em segundo lugar, a determinação para que o Senado Federal instalasse a CPI da COVID, que se transformou, com todos os seus limites, numa vitrine para o país dos desmandos de Bolsonaro na construção do genocídio brasileiro e a corrupção de militares e civis na gestão da saúde.
Essas conquistas no STF permitiram um novo ânimo para a oposição política a Bolsonaro: de um lado, a voz de Lula passou a ser a referência de massas, no Brasil e no exterior, da oposição a Bolsonaro, rapidamente gerando o que se chamou de Efeito Lula – pressão sobre o governo por mudanças e aglutinação do sentimento da oposição na população (medido, não só mas também, nas pesquisas de intenção de voto para as eleições presidenciais em que Lula disparou, como em 2018); e de outro lado, a CPI da COVID e os ataques de Bolsonaro a figuras do Legislativo e ao Judiciário enquanto poder aprofundaram fissuras na base de apoio institucional a Bolsonaro.
No Congresso, a base de Bolsonaro se mantém ainda alimentada pelo grande capital, interessado na privatização do sistema elétrico, dos Correios, na destruição do serviço público via PEC 32, além de matérias que aniquilam conquistas das leis ambientais, da proteção aos povos indígenas, dos direitos trabalhistas…
Reforçando o Efeito Lula, vemos agora em franco progresso o Efeito das Ruas. As mobilizações de rua do 29 de maio, 19 de junho e 3 de julho, com a indicação de mais uma poderosa jornada em 24 de julho, contribuem para o isolamento político de Bolsonaro e para acelerar fissuras no campo dominante, em particular nos setores que lideraram o golpe de 2016 e nunca foram devidamente contemplados no governo Bolsonaro para além da pauta neoliberal.
Resumindo, o interessante do quadro conjuntural do primeiro semestre mostra uma oposição crescente e com povo na rua, ambos os processos liderados até o momento pela ampla coalizão de esquerda da Campanha Fora Bolsonaro, e um contra-ataque reacionário puxado pelo Presidente acuado e pelas Forças Armadas em franco processo de desmoralização. Uma quadra perigosa da história, com certeza, pois a polarização avança no terreno de um longo período de exceção política no país aberto com o Golpe de 2016. A saída democrática, via impeachment de Bolsonaro ou eleições de 2022, não será acatada tranquilamente pelo bloco governista – hoje uma aliança entre militares, milicianos e grandes capitalistas, alguns dos quais já demonstram desconfiança sobre o rumo a seguir quando seus objetivos neoliberais não estiverem garantidos.
Por isso, o segundo semestre promete. As mobilizações contra Bolsonaro vão se ampliar e ficar mais plurais, com a adesão de golpistas de 2016 hoje anti-bolsonaristas. Importante que se ampliem, para ajudar a viabilizar um eventual impeachment e o aprofundamento da crise política do governo e nos outros Poderes da República. Um desafio para a esquerda, para que sua hegemonia nesse processo se consolide com a entrada em cena da classe trabalhadora – ainda ausente em número e qualidade nas manifestações do Fora Bolsonaro.
Mulheres e jovens estudantes assumem um papel protagonista importante nesse momento de mobilização. Mas a classe trabalhadora, acuada pelo desemprego e pelo arrocho salarial, é um fator decisivo para uma mudança de qualidade ainda maior na luta contra Bolsonaro e por um novo governo, com outras políticas. Investir na disputa de corações e mentes nas periferias e nos locais de trabalho é uma pauta cada vez mais relevante para a esquerda brasileira.
A questão democrática passa a ser ainda mais relevante. Os anúncios de desrespeito ao processo eleitoral e ao STF voltaram com tudo às bocas de Bolsonaro e seus grupos mais radicalizados. Perdendo nas ruas, hoje ocupadas em seu favor por motos e pequenos grupos das últimas manifestações pelo voto impresso e outras iniciativas malsucedidas, Bolsonaro testa os limites de controle sobre sua base no Congresso, nas FFAA e nas polícias estaduais para uma radicalização que o mantenha no jogo.
E a luta por direitos, para derrotar ou atrasar a agenda neoliberal, continua no centro da mobilização popular. Novas iniciativas propõem trazer para esse debate as vítimas da COVID, não só os familiares das mais de 525 mil vítimas fatais do genocídio, mas também mais de 19 milhões de brasileiros e brasileiras diretamente infectados pelo coronavírus e que demandarão por anos, e talvez décadas, a atenção à sua saúde e direitos sociais. E, no fundo, toda a sociedade brasileira vítima desse processo que já é chamado não mais de pandemia, mas de sindemia – a vinculação dessa pandemia com o agravamento da crise sanitária, ambiental, social e econômica, tudo junto e misturado por essa gestão desastrosa da crise da saúde pelo Governo Bolsonaro.
Renato Simões
Dirigente do PT e Coordenador Executivo da Associação Nacional Vida e Justiça em Apoio e Defesa dos Direitos das Vítimas da COVID. www.vidaejustica.com.br