Vivemos um momento histórico diferente e desafiador no contexto da PANDEMIA COVID19, em todo mundo, e com início em março de 2020 no Brasil. Até esta data seguimos com as orientações da vigilância sanitária, ficar em casa, uso de máscara, de álcool em gel, distanciamento social e com o forte apelo a não aglomeração. De repente fecham escolas, comércios, empresas; somente serviços essenciais funcionando sem parar, área da saúde com exaustão de trabalho e sofrimento. E a vacina chegando vagarosamente, dificultando o maior número de imunizados, com mais de 350 mil mortos, muitos contaminados, os hospitais cheios quase colapsados, perguntamos: podemos perguntar como estão vivendo este momento os trabalhadores e trabalhadoras? Se em 2019, o número de desempregados era de 11,9%; em 2020 no cenário de pandemia, foi de 13,5% que corresponde a cerda de 13,4 milhões de pessoas na fila por trabalho no país.
Por outro lado, a população vai reinventando com trabalho informal, trabalhando em casa. Diante disso podemos perguntar: o que estamos apreendendo com esta situação, como sairemos de tudo isso; a normalidade que tínhamos antes da pandemia, não existe mais. Alguns dizem de um “novo normal”, o que é o “novo normal”? Um “novo normal” deveria ser com: água enganada, luz, esgoto, moradia, educação, saúde, lazer, vida com dignidade para todos. Que todos tenham comida na mesa, trabalho, respeito, este seria um novo normal. Porém vemos que é difícil uma humanidade com dignidade, respeito, quando uma minoria detém a maior parte da economia enquanto a maioria padece do mínimo de estrutura para viver. A política, ao invés de estar a serviço da vida e do bem comum, se volta para interesses pessoais.
A pandemia escancarou a desigualdade social, a discriminação, a violência, a falta de respeito ao diferente, a natureza, nos sentimos ameaçados, tensos, com medo; contudo, seguimos com esperança, pois cremos que em meio ao caos existe algo novo acontecendo. Nunca valorizamos tanto um abraço, um sorriso, um aperto de mão, um estar próximo. Muitos são os gestos de solidariedade e de partilha. A utilização das novas tecnologias, nos ajudam a romper o distanciamento, a viver experiências digitais; porém, não substitui uma experiência real, o celebrar o estar juntos. Vivamos este tempo pascal, que nos convida a renascer, recriar, a ressuscitar tudo o que é vida e vida em abundância.
Encontramos no primeiro livro da Bíblia, a dignidade do trabalho humano, que nos convida a sermos protagonistas no cuidado da casa comum, no amor fraterno.
«E Deus criou» (Gn 1, 27), um Criador. Criou o mundo, criou o homem, e deu ao homem uma missão: administrar, trabalhar, continuar a criação. A Bíblia usa trabalho para descrever esta atividade de Deus: «Tendo Deus acabado no sétimo dia a obra que fizera, descansou de todo o seu trabalho» (Gn 2, 2). E confia esta atividade ao homem: “Tendes de fazer isto, conservar aquilo, trabalhar para criar comigo – como se tivesse dito assim – este mundo, para que continue» (cf. Gn 2, 15.19-20). A tal ponto que o trabalho é apenas a continuação da obra de Deus: o trabalho humano é a vocação do homem recebida de Deus no fim da criação do universo.
É o trabalho que torna o homem semelhante a Deus, pois com o trabalho o homem é criador, é capaz de criar, de criar muitas coisas; até mesmo de criar uma família para seguir em frente. O homem é criador e cria com o trabalho. Esta é a vocação. E a Bíblia diz: «Viu Deus que tudo quanto tinha feito era muito bom» (Gn 1, 31). Ou seja, o trabalho tem em si uma bondade e cria a harmonia das coisas – beleza, bondade – e envolve o homem em tudo: no seu pensamento, na sua atuação, em tudo. O homem participa no trabalho. É a primeira vocação do homem: trabalhar. E isto dá dignidade ao homem. É a dignidade que o faz assemelhar-se a Deus. A dignidade do trabalho.
Viver a dignidade do trabalho em meio às incertezas deste momento, a esperança pode ser um motor na vida e missão dos trabalhadores, uma força capaz de se manter com os braços abertos e atentos a tudo o que o momento nos interpela, principalmente a viver a solidariedade, a partilha, e a criatividade para ir superando os desafios atuais no mundo do trabalho. A espiritualidade do trabalho impulsiona o trabalhador na prática do amor fraterno, sobretudo aos mais necessitados e injustiçados, a exemplo de Jesus de Nazaré, que era conhecido como “Filho do carpinteiro” e andava em companhia de pescadores.
O Papa Francisco no dia 27 de março de 2020 em sua homilia sozinho na Praça de São Pedro refletindo o texto do Evangelho de Marcos 4, nos convida a despertar e ativar a solidariedade e a esperança:
“O Senhor interpela-nos e, no meio da nossa tempestade, convida-nos a despertar e ativar a solidariedade e a esperança, capazes de dar solidez, apoio e significado a estas horas em que tudo parece naufragar. O Senhor desperta, para acordar e reanimar a nossa fé pascal. Temos uma âncora: na sua cruz, fomos salvos. Temos um leme: na sua cruz, fomos resgatados. Temos uma esperança: na sua cruz, fomos curados e abraçados, para que nada e ninguém nos separe do seu amor redentor. No meio deste isolamento que nos faz padecer a limitação de afetos e encontros e experimentar a falta de tantas coisas, ouçamos mais uma vez o anúncio que nos salva: Ele ressuscitou e vive ao nosso lado. Da sua cruz, o Senhor desafia-nos a encontrar a vida que nos espera, a olhar para aqueles que nos reclamam, a reforçar, reconhecer e incentivar a graça que mora em nós. Não apaguemos a mecha que ainda fumega (cf. Is 42, 3), que nunca adoece, e deixemos que reacenda a esperança”.
“Abraçar a sua cruz significa encontrar a coragem de abraçar todas as contrariedades da hora atual, abandonando por um momento a nossa ânsia de onipotência e possessão, para dar espaço à criatividade que só o Espírito é capaz de suscitar. Significa encontrar a coragem de abrir espaços onde todos possam sentir-se chamados e permitir novas formas de hospitalidade, de fraternidade e de solidariedade. Na sua cruz, fomos salvos para acolher a esperança. Abraçar o Senhor, para abraçar a esperança. Aqui está a força da fé, que liberta do medo e dá esperança”.
Como dissemos acima: o trabalho é vocação do ser humano, e isto dá dignidade, é a dignidade que o faz assemelhar-se a Deus. A dignidade do trabalho. Toda a injustiça que se faz a uma pessoa que trabalha, espezinha a dignidade humana; inclusive a dignidade daquele que comete a injustiça: abaixa o nível e acaba naquela tensão de ditador-escravo. Ao contrário, a vocação que Deus nos dá é tão bonita: criar, recriar, cuidar, trabalhar. Mas isto pode ser feito quando as condições são adequadas e a dignidade da pessoa é respeitada.
Neste nosso tempo em que o trabalho parece ter voltado a constituir uma urgente questão social e o desemprego atinge, por vezes, níveis impressionantes, é necessário tomar renovada consciência do significado do trabalho que dignifica. O trabalho se torna participação na própria obra da salvação, oportunidade de apressar a vinda do Reino, desenvolver as próprias potencialidades e qualidades, colocando-as a serviço da sociedade e da comunhão; o trabalho torna-se oportunidade de realização não só para o próprio trabalhador, mas sobretudo para aquele núcleo originário que é a família. Como podemos falar da dignidade humana sem nos empenharmos, para que todos tenham a possibilidade de um digno sustento.
Peçamos a São José Operário que encontremos vias por meio das quais possamos colocar em prática o seguinte: nenhum jovem, nenhuma pessoa, nenhuma família sem trabalho!
Ir. Zilda Maria da Silva
Marianista