Para falar da importância das Romarias é necessário resgatar a memória e tradição bíblica do povo de Deus que caminhava para lugares sagrados, santuários, como ponto de referência da fé em Javé.
Memória do povo de Deus, que desde o Antigo Testamento, como está no livro do Gêneses 2, 1, A Promessa de Deus a Abraão: Sai da terra e vai aonde te mostrarei. O êxodo nos fala de Moisés que liberta o povo da escravidão do Faraó e vai para a terra prometida, uma terra onde corre leite e mel. E assim o Novo Testamento dá continuidade, o povo de Deus sempre em caminhada.
“…O povo de Deus, no deserto andava, mas a sua frente, alguém caminhava. Também sou teu povo senhor, estou nessa estrada, somente a tua graça, me basta e mais nada…”
Assim, as romarias da terra e das águas querem ser memória e resgate da mística e espiritualidade de um povo que sempre peregrinou nas estradas de um mundo desigual como cantamos: “…Peregrinos nas estradas de um mundo desigual, espoliado pelo lucro e ambição do capital. Do poder do latifúndio, enxotado e sem lugar: já não sei para onde andar. Na esperança eu me apego ao mutirão…”
As romarias são momentos de resistência, esperança e unidade do povo que luta e faz enfrentamento do sistema de opressão; onde celebramos as vitórias da terra conquistada e vida garantida com dignidade e direitos, e ao mesmo tempo, são celebrações geradoras de sonhos e utopia do reino de Deus e do protagonismo dos pobres sem-terra que não esperam de braços cruzados.
E assim saímos fortalecidos para continuar a esperançar. As comunidades sem-terra, sem teto, sem emprego, os(as) desempregados(as) possam continuar sonhando e construindo a libertação em busca da terra prometida, terra sem males, Pacha mama.
Nas romarias, fazemos memória dos mártires da caminhada, daqueles e daquelas que nos antecederam e dos que estiveram conosco e não estão mais, mas estão presentes nas bandeiras, cartazes, faixas e poemas. São momentos de verdadeira ressurreição dos lutadores e lutadoras do povo, da caminhada. Como disse São Romero: “Se me matarem ressuscitarei na luta do meu povo”.
Assim o cruzeiro carregado pelos romeiros (as) é momento forte de afirmação da fé, do compromisso na certeza de vencer. Assim como Cristo a carregou e foi vitorioso: “…Vitória, tu reinarás, oh cruz, tu nos salvarás…”
As romarias são momentos importantes de comunhão efetiva e afetiva, do profetismo ecumênico, de solidariedade e denúncia. É um grito de combate à exploração, discriminação, das injustiças, violência dos povos da terra e das águas e florestas. É grito em defesa da natureza e de toda criação. É um grito de denúncia da exploração predadora, covarde e egoísta da natureza, do planeta. “…A terra Deus deixou, Deus deixou, pra gente trabalhar, trabalhar. Pra não faltar o pão na mesa de ninguém…”
É ao mesmo tempo, reafirmar que a terra é de quem nela trabalha, e vive nela e dela. Não é objeto de especulação econômica. Reafirmar o sagrado princípio como cantamos em todas as romarias: “… Romaria da terra, faz o povo reunir, numa luta sem guerra, nós lutaremos por ti…”
E como disse o Papa Francisco:
Nenhuma família sem Casa!
Nenhuma família sem Terra!
Nenhuma família sem Direitos!
E ainda temos certeza de que as romarias nos afirmam que a terra não será vendida para sempre (cf. Levítico 25, 23-24).
Pe. Severino Leite Diniz e Maria de Lourdes (Lurdinha) Pereira
Comissão Pastoral da Terra (CPT)
