Maria a mãe de Deus e a Serva do Senhor. Uma leitura a partir de (Lc 1, 46-55)

O Evangelho de Lucas é aquele que nos fornece o maior número de elementos para uma teologia de Maria. A ideia central do seu texto é vivida nas diferentes comunidades cristãs que conheceu, que Deus se fez carne. E este Deus não é outro senão Javé. O senhor Salvador e o gerador de seu povo. Lucas recupera o antigo testamento de forma extremamente original. Ele não é propriedade dos judeus, mas é herança de todos os povos que acolhem a presença atuante do Deus vivo na história.

Maria a mãe de Deus e a Serva do Senhor. Uma leitura a partir de (Lc 1, 46-55)
Fonte da Imagem: Memorial Irmã Laura Motta

O Magnificat (Lc 1, 46-55) começa com uma referência direta ao Cântico de Ana, pronunciado por ocasião do nascimento do seu filho Samuel (1 Sm 2, 1-10), na qual Maria manifesta o sentimento de sua pequenez, bem como a sua confiança na misericórdia de Deus. “Proclama minha alma a grandeza do Senhor; alegra-se meu espírito em Deus, meu salvador, que olhou para a humilhação de sua serva” (Lc 1, 46-48). Assim como Ana, mulher humilhada pela sua esterilidade, mas que foi ouvida em suas orações, Maria também reconhece sua condição de jovem humilde de Nazaré, mas que pela misericórdia gratuita do Senhor será a mãe do Messias Salvador. No Magnificat manifesta-se, portanto, como que o modelo “para os que não aceitam passivamente as circunstâncias adversas da vida pessoal e social, nem são vítimas da alienação, mas que proclamam com ela que Deus ‘exalta os humildes’ e ‘derruba os poderosos de seus tronos’. Ou seja, no Cântico de Maria está refletida a predileção de Deus pelos últimos e, ao mesmo tempo, a denúncia contra todo tipo de idolatria da riqueza e do poder, pois estes não são valores reais que gozam de nenhum crédito aos olhos de Deus.

Se olharmos com atenção o Cântico de Maria encontraremos nele o resumo do evangelho de Lucas. Como primeira discípula, Maria representa todo discipulado cristão que na obediência serviçal, ouve e põe em prática a Palavra de Deus. Ela é a serva do Senhor. É a jovem da periferia da Judeia, na qual “Deus realizou grandes coisas”. É a missionária apressada ( Lc 1, 39) sempre pronta a sair ao encontro do outro. É a mulher da resistência que, mesmo em meio aos sofrimentos e angústias, não deixa morrer a esperança e a fé.  É a mãe da misericórdia que nos faz acreditar na força revolucionária da ternura. É a profetiza que ajuda o povo a fazer memória das ações de Deus em seu favor e que não se cala diante da injustiça e opressão dos poderosos.

O Cântico de Maria é para nós um verdadeiro hino que expressa a nossa identidade cristã de discípulos e discípulas missionários do Reino. Pois nele, Maria expressa a sua experiência de fé, sublinhando a ação misericordiosa de Deus na história de Israel e em sua vida de serva humilde e disponível, bem como, o grito dos pobres e sofredores que esperam no Senhor.

A teologia de Maria a partir do Reino nos permite perceber a paixão de Maria pelos pobres, a paixão de Maria pela justiça de Deus, e através dela recuperar a força do Espírito agindo nas mulheres de todas as épocas mesmo se a história escrita pouco fala dessa ação. É a recuperação da memória perigosa ou memória subversiva capaz de mudar as coisas.  Pois não guarda somente vivas as esperanças do passado, mas permite que se desenvolva uma solidariedade Universal entre todas as mulheres do passado, do presente, e do Futuro.

A comunidade cristã primitiva sempre associou a missão de Jesus a de Maria. Por isso, como lemos em Lucas, colocou na boca de Maria o Magnífica (Lc.  1, 46 – 56), centro da vitória de Deus sobre os poderosos, canto da libertação dos pobres e, nos lábios de Jesus, o discurso programa de libertação da Sinagoga de Nazaré (Lc. 4,16 -21), tirado especialmente da Profecia de Isaías. Os dois discursos têm o mesmo fundamento teológico, falam do Deus que liberta, na mulher e no homem, um espírito capaz de modificar as relações humanas, tornando-as segundo a vontade do Altíssimo.

Maria a mãe de Deus e a Serva do Senhor. Uma leitura a partir de (Lc 1, 46-55)

O magnífica, que se põe em comunhão com a comunidade Nascente, aparece hoje para as mulheres de todo o mundo que se redescobrem portadoras de uma identidade própria e de uma missão na sociedade e na igreja, Povo de Deus.

Em Maria, Jesus é gerado pela humanidade e na humanidade de Maria sob o signo da contradição, do conflito, da divisão. Maria é o símbolo desta humanidade na qual a novidade de Deus acontece nos pobres. Porque a partir deles é anunciado o Reino.

Alegria de Maria é expressão da Alegria do povo que vive e proclama as maravilhas da presença de Deus olhando para seu povo e fazendo acontecer a justiça no meio dele. “Ele manifestou o poder do seu braço. Derrubou os poderosos de seu trono e exaltou os humildes; saciou de bens Os Famintos, e despediu os ricos de mãos vazias. Socorreu Israel Seu servo lembrando de sua misericórdia, como tinha prometido aos nossos pais”. (Lc. 1, 47 – 55).

A imagem da mulher que dá à luz ao novo, é a imagem de Deus que pela força de seu espírito faz nascer homens e mulheres entregues à justiça, vivendo a relação à Deus na amorosa relação aos seus semelhantes.

O canto de Maria estabelece uma relação íntima entre a humanidade e a igreja entre Maria e o povo de Deus, devendo ser compreendida no âmbito mais amplo de toda a história da salvação. A mãe de Deus e também a serva do senhor, que põem sua maternidade a serviço da salvação do Povo. Assim também a igreja é chamada a ser serva e colocar o tesouro salvífico da Revelação, dos quais é depositaria a serviço do mundo e do gênero humano.

Assim como Maria, somos chamados a reconhecer as maravilhas de Deus em nosso favor, sua ternura e compaixão pelos fracos e sofredores e, assumir com coragem profética, a luta dos pobres e injustiçados, a fim de que possamos cantar a Esperança-Esperançada, e a utopia, sem nos calarmos diante da opressão dos poderosos.

Vagner Emílio Beli

Pastoral Operária de Campinas – SP