Já falei um pouco sobre a importância das normas regulamentadoras para a redução dos acidentes e doenças do trabalho no Brasil já que no início da década de 1970 o país era considerado o campeão mundial de acidentes de trabalho e esta situação só foi melhorada por causa de pressão de organismos internacionais que praticamente obrigaram a criação de uma legislação específica em segurança e saúde no trabalho na época.
Apesar das limitações das Normas Regulamentadoras, devido ao fato delas só serem aplicáveis aos trabalhadores formais, ou seja, aos trabalhadores que possuem registro em carteira (CLT) e como sabemos, hoje em dia, fazem parte da minoria na classe trabalhadora, essa legislação tão importante para a Segurança e Saúde dos trabalhadores vem sofrendo ataques constantes por parte do governo sob o argumento de que elas precisam de uma “modernização” ou “ desburocratização” por serem em sua maioria muito antigas.
É fato que muitas dessas normas precisam de uma atualização e ninguém é a favor de burocracia exagerada, no entanto, do jeito que essa modificação está sendo conduzida lembra – e muito – os processos das reformas trabalhista e previdenciária que foram feitas pelos governos Temer/Bolsonaro e que eliminaram muitos dos direitos dos trabalhadores sob o falso argumento que isso iria aumentar o número de empregos, o que se comprovou ser uma grande mentira.
Novamente o argumento do governo é o mesmo, ou seja, que os empregadores não podem conviver com o “custo” da aplicação das normas e que por esta razão contratar trabalhadores é muito “caro” no Brasil. Qualquer semelhança com as reformas feitas não é mera coincidência já que faz parte do mesmo ”pacote” de reformas defendido pelos que adoram o discurso neoliberal, entre eles, infelizmente, a maioria dos deputados e senadores que fazem parte do congresso nacional.
Assim como aconteceu com as reformas trabalhista e previdenciária, é difícil fazer um resumo de todas as modificações que estão sendo feitas nas normas regulamentadoras. Até o momento foram modificadas as NR1 (Gestão de Segurança e Saúde – GRO), NR7 (Programa de Controle Médico e Saúde Ocupacional – PCMSO), NR9 (Avaliação e Controle das Exposições Ocupacionais a Agentes Físicos, Químicos e Biológicos) e NR18 (Indústria da Construção) e NR37 (Plataformas de Petróleo) cujo prazo para implantação, que seria em agosto de 2021, foi modificado para dia 03 de janeiro de 2022.
Na priorização do governo ainda estão as modificações das NR5 (CIPA) e NR17 (Ergonomia) que estão em fase de Análise do Impacto Regulatório (AIR) que é uma exigência legal para as modificações das normas uma vez que essas mudanças podem causar aumento na ocorrência de doenças e acidentes. No entanto, o próprio governo já sinalizou a dispensa de elaboração da Análise de Impacto Regulatório do texto final dos anexos 1 (Checkout) e 2 (Teleatendimento) da NR 17. Assim como dos anexos 1 (Vibração), 2 (Exposição Ocupacional ao Benzeno em Postos Revendedores de Combustíveis) e 3 (Calor) da NR 9 (Avaliação e Controle das Exposições Ocupacionais a Agentes Físicos, Químicos e Biológicos) e do anexo 3 (Meios de Acesso) da NR 12 (Máquinas e Equipamentos). Tal dispensa, segundo o governo, ocorreu pelo fato de que os textos foram apenas atualizados, sem alteração de mérito nos itens.
Os textos finais de todos esses anexos foram aprovados e seguirão a tramitação legal que precede sua publicação no Diário Oficial da União. Também foi aprovada a migração do Anexo 2 da NR 9 para a NR 20 (Inflamáveis e Combustíveis).
A previsão é que tanto os anexos aprovados quanto as NRs 5 e 17 sejam publicados nos próximos meses e passem a valer também a partir de 3 de janeiro de 2022, com exceção do Anexo 3 da NR 12, que terá vigência imediata à sua publicação.
Em meio a tantas modificações, podemos destacar o risco de aplicação da NR1 que trata da elaboração de um Plano de Gerenciamento de Riscos Ocupacionais. Apesar de reconhecermos a importância da necessidade de termos uma norma que identifique e gerencie os riscos ocupacionais, esta norma específica dá direitos aos empregadores de decidirem a classificação dos riscos sem a efetiva participação dos trabalhadores neste processo e também de nem poderem exercer o direito de recusa em casos de riscos graves e iminentes, ou seja, de riscos que podem levar a morte ou lesão grave e que possuem alta probabilidade de ocorrência.
Diante deste quadro, entendemos que nós da pastoral Operária, devemos atuar junto com outras instituições que atuam na área de Segurança e Saúde no Trabalho, na luta pela modificação da NR1, para que ela inclua a participação efetiva dos trabalhadores no processo de decisão antes de sua aplicação e também de fortalecer a formação técnica para que os representantes dos trabalhadores, sejam representantes da CIPA ou dos Sindicatos, possam efetivamente atuar em seus ambientes de trabalho de forma a proteger a saúde e segurança dos trabalhadores.
GILMAR ORTIZ DE SOUZA | MESTRE EM SAÚDE TRABALHO E AMBIENTE (FUNDACENTRO) E ENGENHEIRO DE SEGURANÇA DO TRABALHO (FAAP)
MILITANTE DA PASTORAL OPERÁRIA DA DIOCESE DE SANTO ANDRÉ – SP