Os desafios da mulher trabalhadora na pandemia

Se em tempos normais, nós mulheres já enfrentamos a sobrecarga por causa da tão conhecida dupla jornada de trabalho, durante a pandemia essa situação piorou, e muito. Estamos cantando e assobiando mais que nunca, numa árdua batalha para desempenhar os papéis de profissional e cuidadoras da família. Uma missão que exige muita força, fé e amor.

Os desafios da mulher trabalhadora na pandemia
Fonte da Imagem: Conselho Nacional de Saúde

Na pandemia, somos desafiadas a conciliar carreira, muitas vezes sendo chefe da casa, com a rotina de “professoras” dos nossos filhos por causa das aulas on line. Outras vezes, deixamos nossos empregos e viramos cuidadoras de idosos e enfermos. Levamos o escritório para casa, mas entre uma pausa e outra do home office, cozinhamos, limpamos, lavamos roupa….

E tudo fica pior quando falamos das mulheres da periferia. Essas, boa parte das vezes, são chefes de família e carregam o peso de trabalhar como empregadas domésticas para sustentar seus lares, sem a compreensão dos patrões que não permitem que elas fiquem em casa para proteger a si e aos filhos do coronavírus.

O Papa Francisco, em uma das cartas encíclicas da Fratelli Tutti (Todos Irmãos), reforça a necessidade da igualdade de direitos entre homens e mulheres.

“De modo análogo, a organização das sociedades em todo o mundo ainda está longe de refletir com clareza que as mulheres têm exatamente a mesma dignidade e idênticos direitos que os homens. As palavras dizem uma coisa, mas as decisões e a realidade gritam outra”, observa o Papa.

Com efeito, “duplamente pobres são as mulheres que padecem situações de exclusão, maus-tratos e violência, porque frequentemente têm menores possibilidades de defender os seus direitos”, continua o pontífice.

Nesse universo da desigualdade de direitos, que ficou mais acentuada com a pandemia, não há mais divisão entre o tempo para trabalho e tempo para casa. Tudo se misturou. Nós mulheres estamos trabalhando muito mais durante o dia e realizando tarefas simultâneas.

Os desafios da mulher trabalhadora na pandemia
Fonte da Imagem: El País

Trabalhamos mais porque o poder público e a sociedade são omissos na garantia da igualdade de direitos entre homens e mulheres. Trabalhamos mais porque convivemos com o machismo estrutural e as tarefas domésticas ainda não são distribuídas de forma equilibrada na maioria dos lares.

Dados da Pesquisa Estatística de Gênero, coletados em 2019 e divulgados em março deste ano pelo IBGE, mostram que, em tempos normais, as mulheres já dedicam quase o dobro do tempo que os homens a afazeres domésticos e cuidados de pessoas na casa.

Enquanto elas levam, em média, 21 horas por semana cozinhando, limpando, lavando roupa, cuidando dos filhos, entre outras atividades, o tempo gasto por homens com essas tarefas é em torno de 11 horas. Isso quando há essa divisão.

Os próximos estudos sobre o tema, porém, devem apresentar uma disparidade ainda mais gritante devido à pandemia, quando a sobrecarga de dupla ou tripla jornada ficou escancarada e mais difícil de ser mantida.

Além do acúmulo de tarefas, muitas mulheres são vítimas de violência doméstica. Nesse período de isolamento social, os casos de violência contra a mulher só vêm aumentando, principalmente na periferia.

Segundo a ONU (Organização das Nações Unidas), em todo o mundo, uma a cada 3 mulheres são vítimas de agressão física, psicológica e sexual, na maioria das vezes, pelos próprios parceiros. É preciso mudar esse cenário.

“As diversas formas de maus-tratos que muitas mulheres sofrem são uma covardia e uma degradação para toda a humanidade. Para os homens e para toda humanidade. Os testemunhos das vítimas que se atrevem a quebrar o silêncio são um grito de socorro que não podemos ignorar. Não podemos olhar para o outro lado. Rezemos pelas mulheres que são vítimas de violência, para que sejam protegidas pela sociedade e o seu sofrimento seja considerado e escutado por todos”, afirmou recentemente o Papa Francisco.

A igualdade de direitos entre homens e mulheres, o respeito pelas diferenças e o fim da violência doméstica são, antes de tudo, um ato de amor. Amor, fé e justiça caminham juntos e são ensinamentos deixados por Jesus.  E somente com compaixão e amor é que será possível modificar todo tipo de injustiça social.

“As mulheres são protagonistas de uma Igreja em saída, através da escuta e do cuidado que manifestam com as necessidades dos outros e, com uma marcada capacidade de sustentar dinâmicas de justiça em um clima de ‘calor doméstico’, nos diferentes ambientes sociais em que se encontram para trabalhar. Escuta, meditação, ação amorosa: esses são os elementos constitutivos de uma alegria que se renova e se comunica aos outros, através do olhar feminino, no cuidado da Criação, na gestação de um mundo mais justo, na criação de um diálogo que respeite e valorize as diferenças”, ensina o Papa Francisco.

Ainda bem, nosso Papa tem um olhar progressista, cheio de amor para nós, mulheres, que tanto trabalhamos pelo bem-estar da família e da sociedade. Mesmo diante de todo o preconceito, sobrecarga e desigualdade de direitos, nos mantemos firmes na missão de trabalhadoras, com a fé e esperança de que a igualdade, um dia, reinará. Vamos em frente. A luta continua e é de todas (os) nós.

Nega Iracilda Santos – Coordenadora da Pastoral Operária

Paróquia São Guido Maria Conforti – Hortolândia/SP – Leiga Missionária Xaveriana