Estamos em mais um mês de outubro, aquele mês que no Brasil tradicionalmente nos referimos como mês das crianças, pois desde 1924, provavelmente sob influência direta da Declaração de Genebra1, que determinava a “necessidade de propiciar à criança uma proteção especial” comemoramos o Dia Nacional das Crianças no dia 12 deste mês. A efeméride nos coloca frente a algumas reflexões permanentemente necessárias como povo e nação: será que no Brasil estamos tratamos bem nossas crianças? Será que a situação das crianças tem melhorado com o passar dos anos? Será que os direitos previstos na Constituição de 1988 e no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) estão sendo respeitados e efetivados? Será que a partir do tratamento que hoje dispensamos às nossas crianças, podemos vislumbrar um futuro próspero como Nação?

Não há dúvidas de que, em termos absolutos, os dados nos mostram que temos experimentando há muitos anos uma melhoria contínua nos índices indicadores da situação da infância no Brasil. Podemos tomar como exemplo os seguintes dados:
Mortalidade Infantil2 – No ano de 1990, tínhamos taxas de 53,7 crianças que morriam antes dos 04 anos de vida, a cada mil crianças nascidas vivas. Esse índice diminuiu para 13,7, no ano de 2021.
Óbitos de crianças menores de um ano de idade por causas claramente evitáveis3 – No ano 2000, o Brasil teve a morte de 46.490 crianças que poderiam ter sido evitadas. Esse número diminuiu para 20.992, no ano de 2021.
Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb)4 – No ano de 2005 o Ideb, índice que mede a qualidade da educação básica, apontou a média de 3,8 (numa escala de 0 à 10), para os anos iniciais do Ensino Fundamental (1º ao 5º ano escolar). Índice que subiu para 5,9 no ano de 2019 e 5,8 em 2021.
Se os números acima podem indicar uma melhoria na situação das crianças no Brasil com o passar dos anos, um olhar mais apurado e em termos comparativos, seja entre as regiões do país, seja com os índices de outros países, temos muito para avançar. A região sul do país, por exemplo, apresentou um índice de mortalidade infantil de 11 crianças a cada mil nascidas vivas. Já na região nordeste, esse índice sobe para 17 crianças. Esse índice chega a 02 em alguns países.
Embora o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica tenha apresentado um incremento em sua pontuação, os resultados ainda são muito baixos. Quando o nível dos estudantes brasileiros é comparado com os estudantes de outros países, os números são desanimadores. O resultado do último PISA – Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (2018), estudo que é feito trienalmente, mostra que a pontuação dos estudantes brasileiros está abaixo da média da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) em Leitura, Matemática e Ciências.5 Entre os 80 países que compuseram o estudo de 2018, o Brasil apresentou as 60ª, 68ª, e 74ª posições em Leitura, Ciências e Matemática, respectivamente.
Nem todos os indicadores sobre a condição da criança no Brasil apresentam evolução positiva, mesmo que lentamente, em seus números. O índice de cobertura vacinal de crianças abaixo de 01 (um) ano de idade, que atingiu 100% do público alvo, no ano de 2011, vem apresentando queda contínua deste 2014, chegando ao patamar de 62,38% em 2021. Esse fato pode ocasionar um aumento daqueles óbitos decorrentes de causas evitáveis e trazer de volta ao país doenças que estavam praticamente erradicadas ou com o controle bem estabelecido, como o sarampo e a poliomielite.
Outro fator preocupante que devemos ter muita atenção, pois atinge diretamente as crianças de famílias mais vulneráveis, é a Insegurança Alimentar, que se refere à falta de garantia de que uma pessoa tenha alimento para a próxima refeição. Dados coletados entre o final de 2021 e início de 2022, pela Rede PENSSAN — Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar, mostram que 125 milhões de pessoas sofrem com a Insegurança alimentar no Brasil, das quais 33 milhões de fato passam fome. Muitas dessas pessoas são crianças que, em condição de carência alimentar, podem ter suas potencialidades e seu futuro comprometido.6
O que poderia minimizar ou até mesmo sanar a Insegurança Alimentar e fome a que estão submetidas milhares de crianças seria o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), que oferece alimentação escolar e ações de educação alimentar e nutricional a estudantes de todas as etapas da educação básica pública. No entanto, esse programa tem sofrido grandes cortes orçamentários ou não têm seus valores reajustados nem para repor a inflação. Sem contar que o número de crianças de 0 (zero) à 03 (três) anos matriculadas em creche, onde poderiam ter acesso à alimentação adequada, representou no ano de 2021 apenas 28%, aproximadamente, do total de crianças nesta faixa etária no Brasil.
De maneira muito clara e prática é possível responder as questões da nossa reflexão da seguinte maneira: no Brasil nossas crianças não são tratadas maneira como deveriam. Não lhes garantimos todos os direitos previstos na Constituição de 1988 e no ECA. Entretanto, um olhar histórico mostra melhorias reais na situação das crianças através dos tempos, mas com muito a caminhar ainda, para que possamos, de fato, vislumbrar um futuro próspero como Nação. TEMOS O QUE COMEMORAR, mas como diz a canção de Fernando Brant, Márcio Borges e Milton Nascimento, “se muito vale o já feito, mais vale o que será”!!!
Por Fábio Rizza
Conselheiro Tutelar em Campinas/SP
1: A Liga das Nações (uma espécie de precursora da ONU — Organização das Nações Unidas) adota a Declaração de Genebra sobre os Direitos da Criança. A Declaração enuncia que todas as pessoas devem às crianças: meios para seu desenvolvimento; ajuda especial em momentos de necessidade; prioridade no socorro e assistência; liberdade econômica e proteção contra exploração; e uma educação que instile consciência e dever social.
5: https://download.inep.gov.br/acoes_internacionais/pisa/resultados/2018/pisa_2018_brazil_prt.pdf
6: https://olheparaafome.com.br/wp–content/uploads/2022/06/Relatorio–II–VIGISAN–2022.pdf