No antigo calendário israelita estão relacionadas três festas (Ex 23.14-17; 34.18-23): a primeira é a Páscoa, celebrada junto à dos Ázimos ou Asmos; a segunda é a Festa das Colheitas ou Semanas que, a partir do domínio Grego, recebeu o nome de Pentecostes; finalmente, a festa dos Tabernáculos ou Cabanas. As duas primeiras celebrações foram adotadas pelo cristianismo, porém, a terceira foi relegada ao esquecimento.
Pentecostes não é o nome próprio da segunda festa do antigo calendário bíblico (Festa das Colheitas ou Semanas), no Antigo Testamento (Ex 23.14-17; 34.18-23). Originalmente, essa festa é referida com vários nomes:
- Festa da Colheita ou Sega – no hebraico hag haqasir.
- Festa das Semanas – no hebraico, hag xabu´ot.
- Dia das Primícias dos Frutos – no hebraico yom habikurim.
Festa de Pentecostes. As razões deste novo nome são várias: nos últimos trezentos anos do período do Antigo Testamento, os gregos assumiram o controle do mundo, impondo sua língua, que se tornou muito popular entre os judeus. Os nomes hebraicos – hag haqasir e hag xabu´ot – perderam as suas atualidades e foram substituídos pela denominação Pentecostes, cujo significado é cinquenta dias depois (da Páscoa). Como o Império Grego assumiu o controle do mundo, em 331 anos antes de Jesus, é provável que o nome Pentecostes ganhou popularidade a partir desse período.
Enquanto a Páscoa era uma festa caseira, Colheita ou Semanas ou Pentecostes era uma celebração agrícola, originalmente, realizada na roça, no lugar onde se cultivava o trigo e a cevada, entre outros produtos agrícolas. Posteriormente, essa celebração foi levada para os lugares de culto, particularmente, o Templo de Jerusalém. Os muitos relatos bíblicos não revelam, com clareza, a ordem do culto, mas é possível levantar alguns passos dessa liturgia.
A Festa das Colheitas era alegre e solene (Dt 16.11), era uma festa ecumênica, aberta para todos os produtores e seus familiares, os pobres, os levitas e os estrangeiros (Dt 16.11). Enfim, todo o povo apresentava-se diante de Deus. Reconhecia-se e afirmava-se o compromisso de fraternidade e a responsabilidade de promover os laços comunitários, além do povo hebreu. O povo agradecia a Deus como legítimo doador da terra, e pelos estatutos divinos (Dt 15.12). Era uma “Santa Convocação” – ninguém trabalhava (Lv 23.21). Era celebrado o ciclo da vida, reconhecendo que a Palavra de Deus estava na origem de tudo: da semente da árvore, do fruto, do alimento, da vida…
A Festa das Colheitas (Cabanas ou Pentecostes) não era uma cerimônia neutra, isto é, os celebrantes não se reuniam para um simples lazer ou diversão. Toda a cerimônia buscava reafirmar e aprofundar o sentido da fé em Javé, o Deus Criador e Libertador.
Ao celebrar a festa, toda a comunidade aprendia a ser responsável para com a vontade de Deus e com o próximo – não somente com os irmãos de sangue e fé. O ritual da festa ensinava, pedagogicamente, que Deus é o Criador e Sustentador das leis que regem o mundo. Ele fez uma distribuição comunitária da terra e manda a chuva para hebreus e gentios, bons e maus, homens e mulheres, jovens e crianças. O ritual da festa entendia que o grande problema da humanidade é a falta de amor uns para com os outros. A festa das Colheitas ensinou a comunidade de trabalhadores do campo que se deveria entregar o excedente de sua produção agrícola para Javé, a fim de que essa oferta seja compartilhada com os menos favorecidos (Lv 25.6-7, 21-22). A pedagogia dessa lei possui uma profunda sabedoria, pois ela tem como alvo educar o povo dentro dos princípios da solidariedade e igualdade social.
Como parte da forte influência exercida pela cultura grega sobre os judeus, a partir do século IV, antes de Cristo, o nome “pentecostes” – cujo significado é “cinquenta dias depois” – foi usado para substituir o nome da Festa das Colheitas ou Festa das Semanas. O livro Atos dos Apóstolos usa o nome Pentecostes (At 2.1).
Enquanto algumas pessoas que seguiam Jesus estavam reunidas, uma brisa forte adentrou na sala e incendiou seus corações. Essa Divina Brisa fez os mais diferentes povos se entenderem, ainda que não falassem a mesma língua. Assim, uma boa conversa entre os mais diferentes povos, foi o sinal de que Deus havia visitado seu povo.
Jesus havia falado dessa pessoa que viria e daria voz aos sem-voz, trazendo poder e ousadia para aquela gente rejeitada pelo templo e pelo palácio. Essa pessoa os encorajaria para enfrentar o mais poderoso império de então e para poder dizer que Jesus estava vivo, que Deus havia derrotado o império da morte e agora nada poderia impedir a ressurreição de toda criação. Os judeus chamavam essa pessoa de Ruach, uma palavra feminina que remetia ao sopro divino que gerou a vida. A presença de Ruach entre os discípulos de Jesus inicia uma fase muito importante da comunidade do “Caminho” que teve intrepidez para caminhar “perturbando” a ordem opressiva do império e da religião, bradando com coragem que Jesus havia vencido a religião e o império.
A Festa do Divino é uma das diversas manifestações do culto ao Espírito Santo na tradição católica. Ela é uma das mais antigas e difundidas práticas do catolicismo popular. Sua origem remonta às celebrações de Pentecostes realizadas em Portugal a partir do século XIV, nas quais a terceira pessoa da Santíssima Trindade era festejada com banquetes e distribuição de esmolas aos pobres. Hoje, a Festa do Divino é encontrada em todas as regiões do país e apresenta características distintas em cada local. É festejada desde os índios karipunas do Amapá até os fervorosos descendentes de açorianos de Santa Catarina, passando pelos territórios percorridos pelas bandeiras paulistas até um dos berços do samba, a Vila Isabel na cidade do Rio de Janeiro.
O jeito luso-brasileiro de festejar Pentecostes assume diversos nomes: Festa do Espírito Santo, Império do Divino, Folia do Divino, Festa da Coroação, Bandeira do Divino, Cantorias do Divino etc. As festas do Divino Espírito Santo de diversas cidades fazem parte do calendário turístico nacional.
É possível festejar/celebrar Pentecostes nas mais variadas tradições populares e religiosas do nosso país, porém, percebe-se que a celebração de Pentecostes pela Igreja de hoje está um tanto distante do rito bíblico. As igrejas em suas celebrações têm lembrado de: Celebrar o Deus Criador, doador de terra para todos e todas? Agradecer pela terra e seus frutos? Enfatizar o aspecto comunitário? Destacar um momento para ouvir as insinuações da Palavra de Deus que ilumina e dá sabedoria aos/às que buscam orientação e força?
Torna-se necessário para o/a cristão/ã um estudo mais aprofundado da Bíblia como um todo, para evitar desvios de interpretação, já que a Igreja Cristã aceitou o Antigo Testamento como Palavra de Deus. Reinterpretar e ressignificar textos que contêm afirmações ou práticas são caminhos normais tomados pelos profetas, legisladores, entre outros. Como exemplo, Jeremias reinterpretou a Aliança estabelecida no Sinai (Ex 19.1; 20.21 e Jr 31.31-34). Da mesma forma, Jesus não substituiu a Torá, mas reinterpretou-a (Mt 5.17).
Enfim, uma simples análise da prática das igrejas referente ao Pentecostes vai encontrar costumes e doutrinas que, muitas vezes, ferem o texto bíblico; na prática, a posse do Espírito Santo é disputada por indivíduos, de maneira competitiva, pois esse dom é tomado como um instrumento particular para engordar a vaidade e a volúpia do lucro. Portanto, é hora de buscar o primeiro amor, isto é, as marcas do Pentecostes Bíblico.
Romualdo Polonio
CEBI Campinas – SP