No jornal do Grito dos excluídos e excluídas (maio/junho 2023) a coordenação nacional escreve: “O 29º. Grito pergunta “Você tem fome e sede de quê?”, abrindo a possibilidade de enraizar a escuta cada vez mais, adentrar às comunidades do campo, da floresta e da cidade, do centro e da periferia. Para que, em mutirão, possamos responder a essa questão e, ao mesmo tempo, buscar soluções que acabem com toda forma de exclusão e violência.”
Creio que este é o ponto que nos desafia, adentrar às comunidades e buscar soluções de forma coletiva e comunitária para todas as formas de exclusão e sofrimentos vivenciados pelas pessoas. Neste sentido, quero trazer a luz a partir de palavras de Paulo Freire e de Jesus de Nazaré. Dois projetos e propostas que fluem na mesma direção. São águas que se misturam e correm juntas para o grande mar da vida.
Quando olhamos a trajetória territorial de Jesus percebemos que ele andava pelas beiras, pelos caminhos de camponeses, pescadores, de aldeias pobres da Galiléia, Judéia e Samaria. Os encontros significativos entre as pessoas e Jesus acontecia nas beiradas, ou seja, nas periferias. O movimento foi ganhando corpo e volume com pessoas que buscavam respostas para seus sofrimentos de exclusão de toda ordem, de doenças, de fome, de desprezo, preconceitos etc. As formas de poder eram baseadas na injustiça, na exploração, nos muros visíveis e invisíveis que separavam as pessoas pela sua condição social de gênero, de pertença étnica, da condição de doente ou não, de quantos bens/terra possuía…
As instituições religiosas estavam alinhadas com estas formas de poder e de exclusões, cúmplices nos castigos, no desprezo, na tributação e exploração. O povo empobrecido, doente, mulheres e crianças já não aguentavam mais tanto sofrimento. São estas que se somam ao movimento deste Mestre galileu que começou a mostrar possibilidades de existência de outro jeito, resgatando o modo anunciado pelos profetas de séculos passados do povo judaico. Ele ouvia as pessoas, tomava as crianças em seus braços, acolhia as mulheres, ouvia os gemidos dos doentes e se preocupava com a fome de tantas/os. Ele adentrava à casa de quem o chamava, parava nos poços onde se encontravam as mulheres a buscar água, ia ao campo colher espigas para ter o que comer. Estava onde o povo empobrecido estava. Sua missão foi uma prática de acolhimento e orientação, exatamente o contrário das instituições religiosas de seu tempo.
Quero chamar atenção para uma característica de sua prática pedagógica de suma importância. Ele não se atribui como O salvador, O curador ao encontrar-se com pessoas que o procuram por curas. Pelo contrário, Jesus despede as pessoas dizendo “Vai, tua fé te salvou”. Com esta pedagogia ele empodera e fortalece a própria pessoa na sua busca pela cura e libertação, no seu esforço de chegar até Jesus, por acreditar que um simples líder da Galiléia acolhe e pode proporcionar uma outra VIDA. “Eu vim para que tenham vida, e vida em abundância!” Libertação e cura sem cobranças, sem julgamentos, sem condições, sem trocas materiais, sem esmolas. Tudo é um ato de GRAÇA! Tudo é uma troca de potências!
Nosso grande educador Paulo Freire vai na mesma pegada. Estar junto as pessoas, conhecer seu cotidiano, acolher seus saberes, trocar saberes, trocar potência. Ao que Freire chama de educação libertadora, uma pedagogia dos oprimidos e uma pedagogia da esperança. Sem estar junto, sem caminhar no pó das estradas marginais não podemos ouvir os GRITOS E GEMIDOS do povo em situação de exclusão e sofrimento. Esta prática libertadora precisa acontecer em mutirão urgente num ato de ESPERANÇAR. Basta de caridade, de assistencialismo, de esmolas. Nosso povo precisa de dignidade e respeito, sobretudo depois de tantos anos de colonialismo se perpetuando em nossa sociedade.
Mas estar junto significa correr os riscos de lutar junto. Isto requer coragem e esperançar; uma alavanca fundamental para transformação. A fé em Jesus Cristo, a convicção do seu projeto apresentado nos Evangelhos, com certeza nos dá este ânimo, esta faísca do esperançar juntos cotidianamente. E é com esta convicção e fé que vamos em mutirão nos juntar no dia 7 de setembro ao GRITO DOS E DAS EXCLUÍDAS, gritando juntas/os BASTA DE COLONIALISMO, BASTA DE CAPITALISMO, BASTA DE TANTA DESIGUALDADE, BASTA DE TANTA VIOLÊNCIA, BASTA DE NAZIFASCISMO!!!
E trazendo aqui palavras de Paulo Freire “… a desesperança nos imobiliza e nos faz sucumbir no fatalismo em que não é possível juntar as forças indispensáveis ao embate recriador do mundo. Não sou esperançoso por pura teimosia, mas por imperativo existencial e histórico.” (Pedagogia da Esperança)
Neste embate recriador do mundo, somos animadas/os e sensibilizadas/os a perguntar todos os dias a nós mesmas/os e aos nossos/as irmãs: VOCÊ TEM FOME DE QUÊ???
Haidi Jarschel
Teóloga Luterana