“Construirão casas e nelas habitarão, plantarão vinhas e comerão seus frutos. Ninguém construirá para outro morar, ninguém plantará para outro comer, porque a vida do meu povo será longa como a das árvores, meus escolhidos poderão gastar o que suas mãos fabricarem. Ninguém trabalhará inutilmente, ninguém gerará filhos para morrerem antes do tempo, porque todos serão a descendência dos abençoados de Javé, juntamente com seus filhos” (Is 65, 21-23).

Neste primeiro de maio, dia historicamente marcado pela luta daquelas e daqueles que constroem a riqueza social – as trabalhadoras e os trabalhadores – , somos chamados a recordar a condição e a ação terrenas de Jesus, filho de um operário carpinteiro. Nascido na periferia da sociedade de então, o Mestre escolheu para seus discípulos principalmente pessoas das classes baixas, os excluídos dos centros do poder e do dinheiro. É claro, nada disso é coincidência.
Jesus jamais se escondeu da realidade política e social de seu tempo, separando a autoridade dos homens daquela de Deus, mas indicando que é a este mesmo Deus que se deve servir concretamente na vida, na nossa caminhada diária. O Mestre não se desviou do enfrentamento das questões que implicavam uma clara tomada de posição: declarou que não se pode servir a Deus e ao dinheiro, expulsou os vendilhões das portas do templo e multiplicou os pães para alimentar o povo, indicando serem essas as condições para que, com a sua vinda, “todos tenham vida e vida em plenitude”.
Viver a vida tal como proposta por Jesus significa, também hoje, encarar as questões que ainda dizem respeito ao poder e ao dinheiro, bem como à exclusão social que esses falsos ídolos costumam provocar. Nesses nossos duros tempos, a idolatria se converteu em uma verdadeira religião do mercado; esse ídolo, o mercado, cujas vontades e ideias se fazem absolutas, exige frequentemente que os pobres se ofereçam em sacrifício no altar da economia capitalista, exatamente ao contrário do que indicou o Cristo. Lamentavelmente, há até mesmo líderes religiosos que se dedicam a apoiar – em nome de Jesus!!! – essa ordem social que só faz crescer o abismo entre, de um lado, cada vez menos ricos e, do outro, cada vez mais gente empobrecida.
De fato, nosso país viu ser praticamente destruída a legislação de proteção aos trabalhadores e trabalhadoras com a implantação da chamada “reforma trabalhista”, iniciada no governo Temer e complementada no governo Bolsonaro; e isso, é bom lembrar, ocorreu em meio a uma revolução tecnológica (dos celulares, dos aplicativos de transporte pessoal e de entregas, das redes sociais, da inteligência artificial) que até poderia ser usada para reduzir a carga de trabalho das mulheres e dos homens, como na proposta da jornada 5×2, mas vem sendo instrumento de maior exploração do povo que trabalha para sobreviver.
A idolatria de mercado parece mesmo não ter limites: em nome de uma certa “estabilidade dos preços” e da “confiança dos investidores”, justifica-se a subida dos juros, os quais aumentam o endividamento das famílias, restringem a geração de novas oportunidades de emprego e sugam os recursos do governo para entregá-los ao setor financeiro, às custas das famílias que precisam de serviços públicos. Apesar do sacrifício – em vida – dessa imensa maioria da população, o preço dos alimentos segue em nível elevado, corroendo o poder de compra do salário mínimo que, de acordo com cálculos do DIEESE, deveria, hoje, ser de R$7.398,94 para dar cabo das necessidades de moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social de uma família trabalhadora (2 adultos e 2 crianças).
Na contramão da fraternidade como base da vida plena proposta pelo Cristo, vemos em nossa sociedade um crescente individualismo, o qual faz os seres humanos buscarem no consumismo uma realização que, verdadeiramente, apenas a comunhão com os seus semelhantes, com a nossa casa comum (a natureza) e com o Todo pode lhes dar. Olhando demais para si, muitas pessoas passam a ignorar o sofrimento dos irmãos e irmãs vitimados pela exclusão social nas suas várias formas: discriminação de migrantes, racismo, desigualdades de gênero; passa-se a tratar como normal o fato de que filhos e filhas do mesmo e único Deus, a depender da cor da sua pele, da região de onde vêm, ou do parceiro ou parceira que têm, podem ter uma cidadania de segunda classe, sofrer violência ou mesmo morte. Com frequência, até nos esquecemos de que nossas mães, irmãs e filhas, mulheres, embora nos tragam todos à presente vida – e, também por isso, têm suas jornadas tantas vezes multiplicadas – recebem menos ou sequer têm o reconhecimento social por seu trabalho.
A nossa reconversão ao projeto de Deus Mãe e Pai deve começar pelo reencontro concreto com nossos irmãos e irmãs castigados pela exclusão e pela pobreza. Ao preferir a companhia dos humildes e marginalizados desse mundo, Jesus indicou o caminho: “felizes aqueles que têm coração de pobre”. Mas não nos iludamos: acolher verdadeiramente aos pobres significa trabalhar em prol da extinção da pobreza! Daí a importância das políticas de proteção social e ao trabalho, como, por exemplo, o Bolsa Família, o Benefício de Prestação Continuada, o nosso tão atacado SUS e a saúde pública como direito fundamental de todas e todos, a aposentaria rural, a Farmácia Popular, o aumento do poder de compra do salário mínimo, a isenção do imposto de renda para quem recebe até R$5.000,00 por mês, o projeto “Pé de Meia” para os estudantes secundaristas e, de maneira ideal, também a revogação da reforma trabalhista – embora essa seja uma tarefa bem difícil na atualidade, já que, por se tratar de uma lei, precisa de aprovação do Congresso Nacional, que parece mais interessado em manter o orçamento secreto e em conceder anistia a quem, criminosamente, tentou derrubar a nossa frágil (e incompleta) democracia…
Porém, convém que não deixemos de ter, na Caridade, também Fé e Esperança. Bons sinais de fraternidade e amizade social já podem ser vistos em iniciativas concretamente transformadoras, como no caso das cozinhas solidárias, das hortas comunitárias, das cooperativas de reciclagem, da produção tijolos ecológicos, além das promissoras experiências de produção na agroecologia, especialmente em terras da reforma agrária, que contribuem para fazer do Brasil o maior produtor de arroz orgânico na América Latina.
Como já disse o nosso eterno Papa Francisco: “O futuro da humanidade não está unicamente nas mãos dos grandes dirigentes, das grandes potências e das elites. Está fundamentalmente nas mãos dos povos; na sua capacidade de se organizarem e também nas suas mãos que regem, com humildade e convicção, este processo de mudança. Estou convosco. E cada um, repitamos a nós mesmos do fundo do coração: nenhuma família sem teto, nenhum camponês sem terra, nenhum trabalhador sem direitos, nenhum povo sem soberania, nenhuma pessoa sem dignidade, nenhuma criança sem infância, nenhum jovem sem possibilidades, nenhum idoso sem uma veneranda velhice”. Que essa lição do bom Francisco, já na companhia de Deus, nos ilumine e guie sempre!
Feliz Dia das Trabalhadoras e dos Trabalhadores!!!
Comissão Arquidiocesana de Pastoral Operária de Campinas
Mensagem aos trabalhadores e trabalhadoras
Campinas, 01 de maio de 2025